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CRISE NOS MERCADOS / CENÁRIO GLOBAL
Crise pega Brasil e o mundo mais ricos
Risco de recessão nos EUA é atenuado por lucros recordes dos últimos anos e pelos novos "motores" da economia mundial
Turbulência mais restrita à
área financeira é parte da
conta pelos cinco melhores
anos da economia global
em mais de três décadas
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A atual crise financeira atinge uma economia global fortalecida e que vem de seu mais
longo período de exuberância
em três décadas. Foram cinco
anos consecutivos de crescimento forte, lucros recordes,
redução do endividamento privado e de ganhos nas Bolsas.
Tudo acompanhado pela estréia de novos "motores" de peso para o PIB mundial, como
China, Índia e, mais modestamente, Brasil e Rússia.
Para economistas e empresários ouvidos pela Folha, é cedo
para estimar o tamanho e a
profundidade da crise. O ponto-chave será o alojamento ou
não de uma recessão nos EUA.
Mas o consenso é que as empresas produtivas e os fundamentos dos emergentes estão
bem mais sólidos hoje do que
em crises anteriores, como as
de 1999 e 2002 no Brasil.
"Certamente o Brasil vai sofrer se uma recessão de fato
atingir os EUA, algo que ainda
está para ser comprovado",
afirma Frederick Jaspersen,
diretor para a América Latina
do IIF (Instituto de Finanças
Internacionais), que reúne os
320 maiores bancos do mundo.
"Mas é certo também que o
Brasil e todo o setor privado
brasileiro e internacional, mesmo boa parte do financeiro, estão em boas condições de
agüentar o tranco depois de vários anos de resultados fortes."
Nos últimos cinco anos, em
que o crescimento médio do
mundo girou em torno de 5%,
até os países africanos e vários
latino-americanos conseguiram atingir taxas acima de 6%.
No caso do Brasil, o crescimento ficou abaixo da média
mundial, mas houve importantes avanços macroeconômicos:
o país acumulou US$ 185 bilhões em reservas, quase zerou
a dívida pública referenciada
em dólares, multiplicou o saldo
comercial e avançou mais dependente do mercado interno
do que das vendas e do humor
econômico de outros países.
As empresas brasileiras também tiveram os maiores lucros
da história nos últimos anos
(refletidos na alta de 410% da
Bovespa a partir de 2003), reduziram o endividamento e
ampliaram investimentos.
Preço da exuberância
Mas o que a forte turbulência
e a indefinição nos mercados
mostram, na opinião desses
analistas, é que parte da conta
dessa exuberância toda chegou.
Os rombos em operações de
crédito e a ameaça de uma recessão nos EUA seriam conseqüência dos excessos praticados por bancos e investidores em um mercado que vinha "nadando em dinheiro" -conforme definição de relatório do
FMI (Fundo Monetário Internacional) de 18 meses atrás que
já alertava para o risco crescente de negligência em empréstimos bancários, especialmente
no setor imobiliário nos EUA.
Mas a gangorra atual na Bovespa seria mais reflexo da necessidade de investidores estrangeiros em cobrir rombos nos EUA do que de uma expectativa de maior risco ou de forte
desaquecimento no Brasil.
"Não se trata de aversão ao
país, mas de necessidade de caixa. Depois de ganharem 44% na
Bovespa em 2007, é natural
que os investidores realizem
lucros aqui para cobrir buracos
em outras praças", diz Sidnei
Nehme, diretor-executivo da
NGO Corretora de Câmbio.
Nehme também não prevê
uma valorização descontrolada
do dólar, como em outros momentos em que a moeda disparava diante de incertezas. Ao
contrário, a expectativa é que o
diferencial entre os juros brasileiro e americano (11,25% ao
ano aqui e 3,5% lá) atraia mais à
frente nova leva de dólares em
busca de ganhos.
Para os empresários Paulo
Skaf, presidente da Fiesp, e Armando Monteiro Neto, presidente da CNI, a atual crise merece toda a atenção, mas ainda
não afetou as perspectivas de
negócios e investimentos.
"Nada mudou na economia
não-financeira. Parece mais
uma crise de excesso de dinheiro no mercado que levou a exageros em empréstimos. Não devemos nos precipitar em conclusões negativas", afirma Skaf.
Mercado interno forte
Para Monteiro Neto, "é impossível achar que o Brasil conta com uma blindagem absoluta". "Mas há muitos negócios e investimentos em marcha que
não devem parar. O mercado
interno permanece muito
aquecido, e as empresas estão
apostando nisso", diz.
Um dos maiores exemplos
disso é a construção civil. Segundo João Claudio Robusti,
presidente do SindusCon-SP, o
setor cresceu cerca de 8% em
2007 e contribuiu com quase
10% no PIB. Em 2008, os negócios já contratados e financiamentos aprovados devem garantir um crescimento setorial superior a 10%, ampliando ainda mais a participação da construção no PIB brasileiro.
"Só uma hecatombe como a
crise de 1929 não deixará o setor crescer", diz Robusti.
No ano passado, a força do
mercado interno elevou as vendas no comércio em torno de
6%. Para 2008, com a crise se
avizinhando, a previsão é mais
modesta, mas ainda positiva, de
alta de pelo menos 3%.
"A hipótese de o Brasil se
desligar da tomada do mundo e
crescer sozinho não é plausível.
A tendência é haver uma redução da velocidade de aumento
da oferta de crédito e um congelamento de prazos. Sem
grande impacto sobre as vendas, mas que requer atenção",
diz Altamiro Carvalho, assessor
econômico da Fecomercio SP.
Em um cenário de recessão
nos EUA, os setores brasileiros
mais afetados seriam os exportadores, principalmente de
commodities (produtos minerais e agropecuários), cujas
vendas e preços crescem fortemente nos últimos anos.
Não somente 16% das exportações brasileiras são dirigidas
aos EUA como os norte-americanos também são os grandes
responsáveis pelas compras da
China. Se os EUA esfriam, a
China terá menos mercado e,
conseqüentemente, tende a reduzir compras de matérias-primas de países como o Brasil.
Para Mark Smith, vice-presidente-executivo do Brazil-US
Business Council, que reúne,
entre outras, 201 das 500 maiores multinacionais dos EUA
com operações no país, "ainda é
muito cedo para ficar pessimista com a economia dos EUA e
seus reflexos no Brasil".
"A maioria das empresas
norte-americanas teve, em todo o mundo, os últimos melhores anos de suas vidas. Apesar
do atual risco de desaquecimento americano, poucos se
dão conta de que, com o dólar
mais fraco, essas companhias
também ampliaram em cerca
de 13% as suas exportações em
2007 a partir dos EUA", afirma.
Smith diz também que, com
o crescimento hoje mais "esparramado" por várias regiões
do globo, dificilmente economias com fundamentos sólidos
como a brasileira sofrerão terrivelmente em uma eventual
recessão nos EUA -que ele
próprio não vê no horizonte.
"No final dos anos 90, economias emergentes como a chinesa apenas estavam entrando no
radar. Hoje, são protagonistas
da atual onda de crescimento."
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