São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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CRISE NOS MERCADOS / CENÁRIO GLOBAL

Crise pega Brasil e o mundo mais ricos

Risco de recessão nos EUA é atenuado por lucros recordes dos últimos anos e pelos novos "motores" da economia mundial

Turbulência mais restrita à área financeira é parte da conta pelos cinco melhores anos da economia global em mais de três décadas

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A atual crise financeira atinge uma economia global fortalecida e que vem de seu mais longo período de exuberância em três décadas. Foram cinco anos consecutivos de crescimento forte, lucros recordes, redução do endividamento privado e de ganhos nas Bolsas.
Tudo acompanhado pela estréia de novos "motores" de peso para o PIB mundial, como China, Índia e, mais modestamente, Brasil e Rússia.
Para economistas e empresários ouvidos pela Folha, é cedo para estimar o tamanho e a profundidade da crise. O ponto-chave será o alojamento ou não de uma recessão nos EUA.
Mas o consenso é que as empresas produtivas e os fundamentos dos emergentes estão bem mais sólidos hoje do que em crises anteriores, como as de 1999 e 2002 no Brasil.
"Certamente o Brasil vai sofrer se uma recessão de fato atingir os EUA, algo que ainda está para ser comprovado", afirma Frederick Jaspersen, diretor para a América Latina do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), que reúne os 320 maiores bancos do mundo.
"Mas é certo também que o Brasil e todo o setor privado brasileiro e internacional, mesmo boa parte do financeiro, estão em boas condições de agüentar o tranco depois de vários anos de resultados fortes."
Nos últimos cinco anos, em que o crescimento médio do mundo girou em torno de 5%, até os países africanos e vários latino-americanos conseguiram atingir taxas acima de 6%.
No caso do Brasil, o crescimento ficou abaixo da média mundial, mas houve importantes avanços macroeconômicos: o país acumulou US$ 185 bilhões em reservas, quase zerou a dívida pública referenciada em dólares, multiplicou o saldo comercial e avançou mais dependente do mercado interno do que das vendas e do humor econômico de outros países.
As empresas brasileiras também tiveram os maiores lucros da história nos últimos anos (refletidos na alta de 410% da Bovespa a partir de 2003), reduziram o endividamento e ampliaram investimentos.

Preço da exuberância
Mas o que a forte turbulência e a indefinição nos mercados mostram, na opinião desses analistas, é que parte da conta dessa exuberância toda chegou.
Os rombos em operações de crédito e a ameaça de uma recessão nos EUA seriam conseqüência dos excessos praticados por bancos e investidores em um mercado que vinha "nadando em dinheiro" -conforme definição de relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional) de 18 meses atrás que já alertava para o risco crescente de negligência em empréstimos bancários, especialmente no setor imobiliário nos EUA.
Mas a gangorra atual na Bovespa seria mais reflexo da necessidade de investidores estrangeiros em cobrir rombos nos EUA do que de uma expectativa de maior risco ou de forte desaquecimento no Brasil.
"Não se trata de aversão ao país, mas de necessidade de caixa. Depois de ganharem 44% na Bovespa em 2007, é natural que os investidores realizem lucros aqui para cobrir buracos em outras praças", diz Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio.
Nehme também não prevê uma valorização descontrolada do dólar, como em outros momentos em que a moeda disparava diante de incertezas. Ao contrário, a expectativa é que o diferencial entre os juros brasileiro e americano (11,25% ao ano aqui e 3,5% lá) atraia mais à frente nova leva de dólares em busca de ganhos.
Para os empresários Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e Armando Monteiro Neto, presidente da CNI, a atual crise merece toda a atenção, mas ainda não afetou as perspectivas de negócios e investimentos.
"Nada mudou na economia não-financeira. Parece mais uma crise de excesso de dinheiro no mercado que levou a exageros em empréstimos. Não devemos nos precipitar em conclusões negativas", afirma Skaf.

Mercado interno forte
Para Monteiro Neto, "é impossível achar que o Brasil conta com uma blindagem absoluta". "Mas há muitos negócios e investimentos em marcha que não devem parar. O mercado interno permanece muito aquecido, e as empresas estão apostando nisso", diz.
Um dos maiores exemplos disso é a construção civil. Segundo João Claudio Robusti, presidente do SindusCon-SP, o setor cresceu cerca de 8% em 2007 e contribuiu com quase 10% no PIB. Em 2008, os negócios já contratados e financiamentos aprovados devem garantir um crescimento setorial superior a 10%, ampliando ainda mais a participação da construção no PIB brasileiro.
"Só uma hecatombe como a crise de 1929 não deixará o setor crescer", diz Robusti.
No ano passado, a força do mercado interno elevou as vendas no comércio em torno de 6%. Para 2008, com a crise se avizinhando, a previsão é mais modesta, mas ainda positiva, de alta de pelo menos 3%.
"A hipótese de o Brasil se desligar da tomada do mundo e crescer sozinho não é plausível. A tendência é haver uma redução da velocidade de aumento da oferta de crédito e um congelamento de prazos. Sem grande impacto sobre as vendas, mas que requer atenção", diz Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio SP.
Em um cenário de recessão nos EUA, os setores brasileiros mais afetados seriam os exportadores, principalmente de commodities (produtos minerais e agropecuários), cujas vendas e preços crescem fortemente nos últimos anos.
Não somente 16% das exportações brasileiras são dirigidas aos EUA como os norte-americanos também são os grandes responsáveis pelas compras da China. Se os EUA esfriam, a China terá menos mercado e, conseqüentemente, tende a reduzir compras de matérias-primas de países como o Brasil.
Para Mark Smith, vice-presidente-executivo do Brazil-US Business Council, que reúne, entre outras, 201 das 500 maiores multinacionais dos EUA com operações no país, "ainda é muito cedo para ficar pessimista com a economia dos EUA e seus reflexos no Brasil".
"A maioria das empresas norte-americanas teve, em todo o mundo, os últimos melhores anos de suas vidas. Apesar do atual risco de desaquecimento americano, poucos se dão conta de que, com o dólar mais fraco, essas companhias também ampliaram em cerca de 13% as suas exportações em 2007 a partir dos EUA", afirma.
Smith diz também que, com o crescimento hoje mais "esparramado" por várias regiões do globo, dificilmente economias com fundamentos sólidos como a brasileira sofrerão terrivelmente em uma eventual recessão nos EUA -que ele próprio não vê no horizonte.
"No final dos anos 90, economias emergentes como a chinesa apenas estavam entrando no radar. Hoje, são protagonistas da atual onda de crescimento."


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