São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Um divórcio amigável da crise


"Descolamento" total é difícil, óbvio, mas ainda não há motivos para catastrofismo no comércio externo do país

O CONSUMO global de grãos deve superar a produção pelo terceiro ano seguido na temporada agrícola 2007/08. A estimativa é do International Grains Council (IGC), organização intergovernamental de países exportadores e importadores, que revisou seu cenário na quinta passada, para pior. Importadores de cereais fazem compras preventivas e suspendem tarifas de importação -União Européia e Coréia o fizeram em novembro. Exportadores estão na rota inversa (como Rússia e Argentina no caso do trigo).
Em dezembro, a China deu fim a isenções fiscais para exportações de grãos. Agora em janeiro, impôs tarifas à exportação de trigo, soja, milho etc. Economistas do Goldman Sachs e do Morgan Stanley recomendam comprar commodities agrícolas. Os maiores produtores mundiais de fertilizantes só dão entrevistas "bullish", superotimistas, nestes dias de pânico. Afora gestores de fundos de commodities, talvez na ponta errada do mercado, no momento está difícil achar muita gente "baixista" em relação aos agrícolas em 2008.
Cerca de 60% das exportações brasileiras (em valor) são de produtos básicos ou quase isso. Crises americanas sempre derrubaram o preço dos "básicos" brasileiros -mas desta vez há o fator China/ Brics. Quanto menor o impacto no comércio exterior, mais o Brasil "descolaria" da crise. As projeções para o saldo comercial de 2008 são muito dispersas, de US$ 20 bilhões a US$ 35 bilhões. Mas economistas de Bradesco e Itaú estão otimistas.
Para a AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), o saldo cai para US$ 30 bilhões, perto dos cenários normais pré-catastrofismo. Agropecuários, minérios e petrolíferos sobem; metais tendem a cair. "Há risco, mas segue a pressão de demanda e de biocombustíveis, metade da safra de grãos já está vendida a bom preço e exportadores anteciparam negócios", diz José Augusto de Castro, vice da AEB.
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura de Lula, segue mais ou menos a mesma toada. Mas olha com desdém para a "adivinhação" de preços no curto prazo. "Dada a previsão de alta de preços por ainda três, quatro anos, tem havido grande investimento em terras no Brasil, inclusive externo, especulativo, para dar só um exemplo "altista", mas, ao mesmo tempo, o mercado pode responder rapidamente a sinais de queda na demanda. Tudo ainda está muito indefinido -o tamanho da crise nos EUA, o efeito disso em China e Índia e daí para o Brasil", diz.
A perspectiva para metais industriais (afora minério de ferro) é algo pior -são mais sensíveis à queda da indústria e da construção pelo planeta. Um sinal já visível seria a queda do custo de frete para tais produtos, diz o IGC. Quanto a produtos industrializados brasileiros (material de transporte e veículos, máquinas, motores), o caso é mais complexo.
Não só a demanda mas flutuações de câmbio e decisões estratégicas de multinacionais, que dominam a exportação industrial no Brasil, influenciam a corrente de comércio. O risco maior ainda é que câmbio e, por tabela, juros, confiança e atividade sejam afetados pelo "canal financeiro". Mais desastres em bancos e seguros de crédito nos EUA poderiam encarecer o financiamento de empresas, conter o investimento externo produtivo ou provocar fugas em pânico do Brasil. Tudo é ainda incerto. Mas, mesmo se não "descolar" da crise, o país tem boas chances de um desquite "amigável".

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Crise nos mercados / Cenário global: Crise pega Brasil e o mundo mais ricos
Próximo Texto: Crise nos mercados / Indústria: Otimismo ainda se mantém, diz Fiesp
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.