São Paulo, Quarta-feira, 27 de Janeiro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Um ajuste completo para antecipar 2000

PAULO GODOY

Ruim com ele, pior sem ele. Está claro que a retomada do crescimento e da oferta de empregos depende do ajuste fiscal, das duras medidas que o integram -não apenas de aumento de impostos, mas também, desta vez, dos cortes efetivos dos gastos. Ele é a causa direta do quadro recessivo que nos sufoca, mas sabe-se que, sem a perspectiva de sua aprovação e implementação rápidas, articuladas com o desencadeamento de verdadeira reforma tributária, não só o primeiro semestre, mas todo o ano que começa estará irremediavelmente perdido, com gravíssimas consequências econômicas e sociais.
A fase que estamos vivendo é extremamente difícil para o conjunto das atividades produtivas. A desvalorização do real enfim adotada favorece as exportações, o que pode propiciar uma desejável recuperação dos negócios e dos empregos nessa área. Mas, para que se contenha e inverta o descontrole cambial e uma recidiva da perversa dinâmica inflacionária, o governo terá de manter juros proibitivos, num cenário recessivo que contenha o repasse da desvalorização ao conjunto dos preços internos.
Quanto àqueles setores, como a construção de obras públicas, mais dependentes do epicentro da crise -as três esferas do governo-, a situação está e continuará, até os efeitos de um amplo ajuste fiscal, em níveis particularmente dramáticos.
Quase todos os programas de obras federais, desde os de infra-estrutura pesada até os de saneamento e habitação, sofrem cortes drásticos, sendo bastante reduzidos ou simplesmente paralisados.
Aos cortes orçamentários somam-se sérias restrições aos processos de privatização e concessão de serviços públicos, grande instrumento de renovação e expansão de nossa infra-estrutura e poderoso fator de ativação da economia e geração de empregos. Esses processos são inevitavelmente afetados pelos juros proibitivos e pela suspensão do fluxo de capitais externos.
Entre os novos governadores, mesmo os reeleitos, e até mesmo os que fizeram o chamado dever de casa fiscal, como o de São Paulo, são compelidos -em face da queda de receita resultante da recessão- a reduzir ou adiar os já limitados investimentos em obras.
Os eleitos pela oposição simplesmente paralisam tudo, com a dupla justificativa da falta de recursos e da necessidade de redefinir prioridades. Ao mesmo tempo, desencadeiam a demanda de mais uma renegociação da dívida com o governo federal, objetivo aparentemente tão legítimo quanto contraditório com a prioridade do tratamento da crise fiscal.
Quanto aos municípios, são ainda maiores as limitações que sofrem e os efeitos delas na precaríssima capacidade de investimento que preservam. As dívidas com a União -em muitos casos vultosas, como a da Prefeitura de São Paulo- não foram renegociadas junto com a dos Estados, e crescem como bola de neve com os juros astronômicos do mercado.
Os caminhos básicos que os prefeitos têm de buscar, para conseguir resultados a médio prazo, são o alongamento da dívida e, do mesmo modo que os governadores, a redução das despesas de pessoal, ativo e inativo, com amparo na reforma administrativa, que, enfim, está sendo regulamentada. Enquanto isso, pouco ou nada podem fazer para a retomada de investimentos.
O horizonte setorial é, assim, muito precário neste início de ano, incluindo a perspectiva, de todo indesejável, de que o desemprego, já acentuado no último trimestre, aumente nos próximos meses. Mas a constatação, realista e penosa, desse quadro sombrio eu vinculo a uma avaliação básica que me permite reiterar a confiança no desenvolvimento do país. Apesar dos sinais negativos deste começo de janeiro, estimulados pela irresponsável moratória do governador Itamar Franco e por suas repercussões externas, vale apostar, também realisticamente, na capacidade do presidente Fernando Henrique e das lideranças do Congresso de conclusão do ajuste fiscal, incluída substancial redução do rombo da Previdência, e no desencadeamento da reforma tributária.
As resistências às medidas de combate ao déficit público, reforçadas com a crise financeira dos Estados e municípios, serão maiores e mais prolongadas do que se supunha. Mas é também crescente a compreensão social de que não será possível retomar o crescimento sem que se enfrente, desta vez para valer, um déficit público que passou dos 8% do PIB, refletindo uma dívida interna além dos R$ 350 bilhões.
E a gravidade da crise cambial deste início de ano teve a virtude de facilitar a mobilização do Congresso para um enfrentamento mais decidido do descontrole das contas públicas, com a percepção da grande maioria dos atores políticos de que sem ele teremos sacrifícios econômicos e sociais mais duros e prolongados.
Feita logo essa grande lição de casa nacional, poderemos ultrapassar a grave turbulência destes dias e antecipar em alguns meses o tão esperado ano 2000, retomando o crescimento e a oferta de empregos ainda no segundo semestre.


Paulo Godoy, 44, empresário, é presidente da Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas) e coordenador do Fórum Nacional da Construção Pesada.



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