São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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Giannetti derruba mito dos US$ 100 bi


Folha - O sr. acha viável a meta do governo de atingir US$ 100 bilhões em exportações até 2002, que é mais do que o dobro do total do ano passado?
Fonseca -
Essa meta não é um mito que estará fixado como imprescindível, como um fetiche. Não vamos criar compromissos absolutamente indispensáveis com essa meta.
Mais importante que os US$ 100 bilhões é gerar superávits comerciais crescentes e que, eventualmente, superem, em 2002, US$ 10 bilhões no ano.

Folha - O sr. acredita nisso?
Giannetti -
Não só acredito como acho essa meta absolutamente necessária. Nosso déficit em conta corrente está crescendo a taxas muito elevadas. E mesmo todo o investimento estrangeiro que está vindo ao Brasil, que é muito bem-vindo e necessário, está gerando uma obrigação futura em remessas de lucros e pagamentos de obrigações que teremos de cumprir. Para isso é fundamental o superávit comercial.

Folha - Muito desse dinheiro que entrou no país nos últimos anos em investimentos diretos (foram US$ 31 bilhões só em 99) foi destinado à compra de empresas das áreas financeira e de serviços, como telecomunicações e energia. São setores que enviam muitos dólares para fora na forma de lucros e dividendos e que não geram um centavo em exportações. Ao contrário, gastam dólares importando equipamentos. Como desatar o nó?
Giannetti -
A única forma de manter esse fluxo de investimentos desejável pelo Brasil é gerar um superávit comercial que cubra o déficit futuro da balança de serviços, que a gente sabe que vai ser crescente e contínuo. E isso deve ser feito sem aumentar o endividamento em dólares do país para pagar esses serviços. Deve ser financiado pelo superávit comercial.

Folha - Mas grande parte dos investimentos estrangeiros no país veio para a compra de empresas já existentes, e não para a formação de novos negócios. E, ao se tornarem estrangeiras, essas empresas aumentaram muito suas importações de matérias-primas e máquinas para produzir localmente. Um relatório da Unctad mostra, por exemplo, que em três anos (de 93 a 96) a penetração de autopeças importadas passou de 8% para 25%, e no setor de telecomunicações, de 29% para 70%. Como reverter isso?
Giannetti -
As importações vão continuar crescendo. Nós desejamos que a economia brasileira cresça. Já passamos dois anos com crescimento muito baixo e isso é socialmente insustentável. O governo precisa recuperar o apoio da população.
Para poder crescer, o país vai acabar importando entre 4% a 5% a mais este ano, com o agravante de que o preço do petróleo ainda é uma incógnita.
Para fechar a conta, as exportações terão de crescer algumas vezes mais do que as importações. Por isso digo que a meta de superávit é mais importante do que os US$ 100 bilhões em exportações.
Se não conseguirmos a meta de US$ 10 bilhões de superávit, os bancos não vão mais querer financiar nosso déficit em conta corrente. Vai ficar evidente o desequilíbrio estrutural no balanço de pagamentos do país. Se isso acontecer, teremos que conter as importações via redução do crescimento, e voltamos à estaca zero. Esse é o desafio.

Folha - Mas o que o sr. pretende fazer? A balança comercial este ano já começou mal. Acumula um déficit de quase US$ 100 milhões depois de um resultado negativo de US$ 1,2 bilhão em 99. Com um agravante: todos achavam que, após a desvalorização do real, o setor exportador se recuperaria rapidamente, o que não aconteceu.
Giannetti -
A grande decepção do ano passado foi o medíocre desempenho das exportações, que caíram 7,3% em relação a 98. Mas o grande problema não está no volume exportado, que aumentou muito, mas na queda nos preços dos produtos exportados, que foi significativa. Mas já está havendo uma forte recuperação este ano.
No ano passado, para aumentar o volume das vendas ao exterior, os exportadores tiveram de dar descontos, que foram possíveis graças à desvalorização do real. Nesse processo, os exportadores ganharam maiores fatias de mercado, deslocando países como a Coréia, o México, a Espanha. E, no momento em que ganharam mercado, estabeleceram um fluxo, que acabará se tornando contínuo e crescente.
No ano passado também tivemos uma dramática redução de crédito ao setor produtivo. O volume caiu de 32% do PIB para 22% do PIB. Esse crédito também está voltando agora.Por essas razões, tenho absoluta convicção de que esse ano vamos ter um superávit comercial de até US$ 5 bilhões. É ótimo, mas não é suficiente. A economia brasileira precisa de mais. Vamos ter de voltar a apresentar, ainda por um período, megasuperávits. É imprescindível conseguir rapidamente uma inflexão da curva de déficits na conta corrente para ter uma situação mais equilibrada nas contas externas. Ainda estamos muito vulneráveis justamente nisso.


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