São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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GUERRA DA CERVEJA

Empresa afirma que Hebe Romano, relatora do processo AmBev, "perdeu a neutralidade"

Kaiser quer afastar conselheira do Cade


Investimos nos últimos cinco anos US$ 1 bilhão, acreditando num país que tinha concorrência. Agora, vamos ter um monopólio. A concentração se espalha pelo sistema. A AmBev, pelo poder que terá, manipulará preços. Fusão, só no guaraná


KENNEDY ALENCAR
FÁBIA PRATES
da Reportagem Local

A Kaiser solicitará amanhã ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) o impedimento da conselheira Hebe Romano para relatar o caso AmBev. ""A conselheira cita levianamente a empresa numa suposta tentativa de suborno", disse o presidente da Kaiser, Humberto Pandolpho.
A Folha revelou anteontem que Hebe, em depoimento à PF (Polícia Federal), disse que o ex-deputado e advogado Airton Soares contou a ela que a Kaiser estaria envolvida num esquema de compra de conselheiros que julgarão a AmBev (fusão da Brahma e Antarctica). Soares era advogado de distribuidores da Antarctica.
Pandolpho diz que a acusação é um ""absurdo". Afirma que, nos depoimentos tomados pela PF, apenas Hebe menciona a Kaiser. Para ele, a conselheira perdeu a neutralidade, pois informou imediatamente a AmBev da conversa com Soares, enquanto demorou 40 dias para dizê-lo à Kaiser.
A Folha procurou Hebe no Cade e em sua casa anteontem às 18h30. Ontem, às 18h, um familiar disse que ela viajara. Seguem os principais trechos da entrevista:

Folha - A conselheira Hebe Romano disse à PF que a Kaiser foi citada pelo advogado Airton Soares como envolvida na suposta tentativa de suborno do Cade. A Kaiser fez isso?
Humberto Pandolpho -
É absurdo. Após analisar os depoimentos à Polícia Federal, vê-se que a conselheira cita a Kaiser levianamente. É indiscutível que ela não é mais neutra. Pedirei seu impedimento definitivo na segunda-feira (amanhã).
Nos autos da PF, só ela usa o nome da Kaiser. Nos outros depoimentos, ninguém cita. Há inconsistências, como não precisar a data da conversa sobre suborno. Uma coisa assim deve ser anotada oficialmente. Ela fala que teve a informação entre 10 e 15 de dezembro, avisa uma advogada da AmBev no mesmo dia, reúne-se com a direção da AmBev em 5 de janeiro e só em 21 de janeiro, 40 dias depois, avisa a Kaiser.

Folha - Hebe deu à PF os nomes do auditor fiscal Márcio Pugliese e do advogado Marco Antonio de Campos Sales como supostos subornadores. O sr. os conhece?
Pandolpho -
Nunca estive com Campos Sales, Pugliese e Soares. No entanto, recebi uma carta do Airton Soares dizendo que ele nunca citou a Kaiser. Se tenho uma carta dele, se ele vai à Polícia Federal e testemunha isso, por que Hebe sai falando da Kaiser?

Folha - Por quê? O sr. crê que a Abradisa ou a AmBev possam ter interesse na acusação?
Pandolpho -
Não tenho como afirmar isso. Quero apurar até o fim para limpar o nome da Kaiser.

Folha - O sr. tem um problema específico com Hebe ou com os demais conselheiros do Cade?
Pandolpho -
Específico. O cronograma de atividades feito por ela revela um tratamento diferenciado para a AmBev, como se a Kaiser estivesse atrapalhando. Pedimos vista do processo, semana passada, e nos foi negado. Ela disse que tinha de consultar a AmBev e ver o que era confidencial. Foi repreendida por conselheiros, dizendo que a decisão cabia a ela.

Folha - A AmBev prometeu diminuir os preços em 5% e desafiou a Kaiser a fazê-lo. Por que o sr. não aceita o desafio?
Pandolpho -
É balela, como promessa de acabar com enchente. No mercado, a Kaiser é o quarto preço. Os três primeiros são da AmBev. Eles têm 13 marcas de cervejas, cada uma com uma posição no mercado. Com o monopólio (a AmBev ficaria com cerca de 80%), o consumidor, que hoje dita o preço, não decidirá nada.

Folha - A fusão quebraria a Kaiser?
Pandolpho -
Pode quebrar todo mundo. Investimos nos últimos cinco anos US$ 1 bilhão, acreditando num país que tinha concorrência. Agora, vamos ter um monopólio. A concentração se espalha pelo sistema. A AmBev, pelo poder que terá, manipulará preços. Se querem fusão no guaraná, tudo bem. Não há monopólio.

Folha - É legítimo que Brahma e Antarctica queiram se unir também nas cervejas. Não é o governo que teria de definir restrições?
Pandolpho -
Nos termos dos relatórios do SDE (Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça) e da Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda), aceitamos a fusão. Os pareceres recomendam a venda de uma marcas.

Folha - O Ministério do Desenvolvimento, porém, julga a fusão de interesse do país.
Pandolpho -
Por esse caminho, é melhor ter duas multinacionais verde-amarelas. A Brahma é a quinta cervejaria do mundo (com a AmBev, seria a terceira). Se a Kaiser comprar a Skol, o Brasil teria duas entre as dez maiores.

Folha - A AmBev diz que a Kaiser não tem dinheiro para comprar a Skol, por exemplo. A empresa teve prejuízo em 99?
Pandolpho -
Sim. Absorvemos o custo da variação cambial de janeiro. Um fato interessante: a capacidade de premonição da Brahma. Foi a única empresa que conseguiu prever. Fez hedge (seguro cambial) em dezembro de 98.

Folha - Se o parecer do Cade recomendar a venda da Skol, a Kaiser pretende comprá-la?
Pandolpho -
Sim, mas depende de como for estabelecida a venda.

Folha - Até onde vai a Kaiser nessa briga com a AmBev?
Pandolpho -
Se a decisão ferir a legislação, vamos à Justiça.


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