|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Banco Central "terceirizado"?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Parece que o presidente da
República anda insatisfeito
com as agências reguladoras, herdadas do governo Fernando Henrique Cardoso. Em encontro com líderes do Congresso, na semana
passada, o presidente teria dito
que o Brasil foi "terceirizado". Segundo ele, agências como a Aneel
(Agência Nacional de Energia
Elétrica), a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a
ANP (Agência Nacional do Petróleo) têm independência demais
em relação às políticas do governo e acabam funcionando a favor
dos setores que deveriam supervisionar. Lula teria se queixado de
que não passam pelo governo decisões fundamentais, como os aumentos das tarifas de energia elétrica e de serviços telefônicos.
A autonomia das agências foi,
como se sabe, instituída de forma
deliberada pelo governo FHC,
com a intenção de garantir a estabilidade das regras do jogo independentemente do governo que viesse a ser eleito. Seria uma espécie de "blindagem" contra mudanças desejadas pelo futuro governo. A autonomia repousa no
fato de que os dirigentes dessas
agências gozam de estabilidade
no emprego, isto é, têm mandatos
fixos, longos e não coincidentes
com os do presidente da República.
Ora, é exatamente isso que está
sendo proposto para o Banco
Central! É o aspecto central do
projeto de "lei de responsabilidade monetária", também herdado
do governo FHC e que conta com
apoio de setores do governo Lula.
A diretoria do Banco Central
também passaria a ter mandatos
fixos e não coincidentes com os do
presidente da República. Em outras palavras: se o presidente da
República permitir, o Banco Central também será "terceirizado".
Difícil imaginar uma "blindagem" mais eficiente. O Banco
Central é mais importante do que
todas as agências reguladoras
juntas. Trata-se de uma instituição que acumula inúmeras funções e governa grande parte da
política econômico-financeira.
Não é por acaso que muitos parlamentares do PT não querem
nem ouvir falar nesse assunto. Na
semana passada, noticiou-se que
a discussão da proposta de autonomia para o Banco Central foi
adiada para o segundo semestre.
Haverá protestos do FMI? Pode
ser. O tema está presente no acordo em vigor com o Brasil, que foi
assinado por Pedro Malan e Armínio Fraga em agosto de 2002.
Duas observações, porém. Primeiro: a intenção de conceder autonomia formal ao Banco Central
aparece no acordo apenas como
objetivo geral, mencionado na
carta de intenções. Não constitui
"critério de desempenho", isto é,
não condiciona a liberação das
parcelas do empréstimo.
Segundo: uma eventual insistência do FMI nesse ponto constituiria um caso clássico de "macaco, olha o teu rabo!". O Fundo é
uma instituição monetária estritamente dependente dos governos
que o controlam. Os seus diretores-executivos não desfrutam de
estabilidade no emprego. O casuísmo, não raro politicamente
orientado, tem sido a marca registrada da sua atuação.
Existe até quem sugira que o
FMI seja "despolitizado", seguindo o modelo de banco central independente. Os seus diretores-executivos passariam a ser nomeados para mandatos longos e
proibidos de receber instruções
politicamente motivadas dos governos dos seus países de origem
(ver Barry Eichengreen, "The
Globalization Wars", "Foreign
Affairs", July/August 2002). Não
consta, entretanto, que esse tipo
de sugestão esteja sendo seriamente considerado...
No Brasil, a questão da autonomia precisa ser abordada com
cuidado especial. Nas suas relações com o sistema financeiro, o
Banco Central é um exemplo do
conhecido fenômeno da captura
do regulador pelo regulado. Estabeleceu-se uma relação simbiótica, para não dizer promíscua, entre autoridades monetárias e instituições financeiras privadas,
que leva frequentemente a uma
dissociação entre a ação do Banco Central e os interesses públicos.
O problema é antigo. Nos anos
80, quando a ala mais à esquerda
do PMDB insistia na proposta de
estatização do sistema financeiro,
o saudoso Severo Gomes observou: "Já me daria por satisfeito se
conseguíssemos estatizar o Banco
Central!".
Com a autonomia formal do
Banco Central, a sua "estatização" ficaria ainda mais distante.
Hoje, a possibilidade que tem o
presidente da República de substituir os dirigentes do banco, a
qualquer momento, funciona como um contrapeso (ainda que
frágil) à influência hegemônica
dos interesses financeiros.
Nesta semana, o presidente Lula voltou a prometer que vai mudar o modelo econômico. Lamentou, mais uma vez, a vulnerabilidade do país a turbulências externas como as que estão sendo geradas pelo provável ataque dos
EUA ao Iraque. "Um país do tamanho do Brasil", disse ele, "não
poderia estar tão dependente do
capital internacional e fragilizado como está hoje".
A contribuição do Banco Central é essencial para superar esse
quadro de dependência e fragilidade. É ele que administra a política cambial e as reservas internacionais. Dele dependem, também,
a regulação do mercado de câmbio e o controle dos movimentos
de entrada e saída de capital.
A superação da vulnerabilidade
externa se tornará muito mais difícil, talvez impossível, com um
Banco Central "terceirizado", comandado por pessoas da confiança do mercado financeiro e protegidas por mandatos fixos e longos.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Superávit de janeiro faz 36,7% do previsto até abril Próximo Texto: Luís Nassif: Miro quer competição Índice
|