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PAULO RABELLO DE CASTRO
Quando o atraso vira vantagem
Nosso atraso industrial foi tão grande que acabou por nos beneficiar com a acumulação de reservas de US$ 188 bilhões
QUANDO UM país se atrasa em
sua evolução econômica, os
reflexos são amplamente
percebidos: a renda dos cidadãos encurta, enquanto crescem exponencialmente os compromissos da nação com seus credores. O Brasil, como país altamente endividado, lutou por décadas para superar o atraso em relação a outros países. No
meio do caminho, o processo de industrialização deu para trás, embora
tenha ocorrido um fenômeno curioso: o atraso, de certo modo, virou
vantagem.
Nos últimos anos, crescendo menos de 3% ao ano, com a renda per
capita praticamente estagnada e a
classe média tendo seus salários
achatados, foi-se adiando tudo o que
o Brasil iria produzir ou importar a
mais, nas diversas frentes industriais. A infra-estrutura do país,
idem. Só não deixou de crescer o
país do interior, do agronegócio,
apesar de crises sucessivas de endividamento agrícola e repactuações
de débitos bilionários pelos governos. Nossas importações seguiram
contidas, enquanto a base de exportações tradicionais continuava em
expansão. O agronegócio hoje propicia ao Brasil cerca de US$ 45 bilhões de saldo positivo líquido, por
ano, em sua balança externa. Especializamo-nos como exportadores
de commodities agrícolas e minerais
e estamos fazendo saldos constantes na balança comercial brasileira,
por conta do crescimento acelerado
de outras economias mundiais, em
contraste com nosso baixo crescimento histórico.
A China é um desses casos de expansão explosiva, absorvendo nossos produtos básicos. Tem crescido
a uma taxa média de 9% ao ano nas
duas últimas décadas e consome
nosso minério de ferro, nossos produtos agrícolas e até os talentos especializados dos competentes pilotos da antiga Varig, exportados também às centenas. Não admira, portanto, que os saldos comerciais de
um país que pouco cresceu tenham
finalmente zerado a dívida líquida
do setor externo brasileiro.
Enfim, nosso atraso industrial foi
tão grande que acabou por nos beneficiar de modo imprevisível ao propiciar acumulação de reservas de
US$ 188 bilhões. Mas será que já dá
para comemorar? Pensando bem,
em que mesmo o Brasil melhorou?
Ainda anteontem, noticiou-se um
novo saldo externo negativo, fruto
da reaceleração recente da atividade
econômica. Nada alarmante, por enquanto, porém refletindo como foi
circunstancial o tão festejado progresso das contas externas. O risco-país, em cerca de 275 pontos de
"spread", também exprime uma residual desconfiança dos investidores, mesmo tendo a dívida externa
100% coberta por reservas. De fato,
o Brasil de hoje não faz os cálculos
certos sobre o porquê conseguiu
chegar a esse ponto de equilíbrio relativo; não é segredo a política de juros elevadíssimos que mantém contraída a demanda interna e que faz
crescer a dívida pública em reais.
Se quisesse capitalizar a bonança
externa, o Brasil teria que apressar o
passo em direção a muito mais poupança e investimento. O Brasil poupa parcos 19% do PIB, contra 48%
na China ou 28% no vizinho Chile. O
que o governo brasileiro ainda consegue investir é avançando sobre a
renda privada com uma pesada carga de tributos. Se a próxima reforma
tributária (mais uma!) não tiver o
objetivo de frear a gula do leão, o aumento da poupança nacional permanecerá adiado. Continuaremos
comemorando o equilíbrio das contas externas à custa do crescimento
mirrado e da dívida interna permanente.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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