São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Argentina e Brasil


A América do Sul será parte de um bloco comandado pelos EUA ou teremos capacidade de organizar o nosso próprio pólo?

POSSO DIVAGAR um pouco hoje? Vou sair da área estritamente econômica e tratar da relação entre o Brasil e a nossa principal aliada -a Argentina. Não sei se o leitor sabe, mas eu tenho sido, ao longo dos anos, um defensor aguerrido da integração sul-americana.
Preliminarmente, quero deixar claro: o Brasil poderia desenvolver o seu projeto nacional por conta própria, pois tem tamanho para isso. Não precisamos, a rigor, da integração com os vizinhos para garantir a nossa posição no mundo.
Porém parece evidente que uma aliança estratégica, de longo prazo, com as demais nações sul-americanas, ou com boa parte delas, aumentará consideravelmente o nosso poder de fogo -em termos políticos e econômicos.
Está ficando cada vez mais claro que o mundo será multipolar. Os Estados Unidos tiveram o seu "momento unipolar" logo após o colapso do bloco soviético e a desintegração da própria União Soviética. Mas esse momento passou e não voltará.
Agora, a questão que se coloca para nós é a seguinte: a América do Sul será parte de um bloco comandado pelos Estados Unidos -esse era, aliás, o sentido da Alca (Área de Livre Comércio das Américas)- ou teremos capacidade de organizar o nosso próprio pólo sul-americano?
Repare, leitor, que hoje se fala em América do Sul -e não mais em América Latina, como nos tempos de Raúl Prebisch, de Celso Furtado e da antiga Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). O processo de incorporação do México e da América Central ao espaço econômico dos Estados Unidos está muito adiantado -América Latina deixou de ser um conceito politicamente operativo.
Mesmo na América do Sul, diga-se de passagem, há países que aceitaram um modelo de integração subordinada tipo Alca (Chile, Peru, Colômbia). Mas aqui o poder gravitacional dos Estados Unidos não é tão intenso.
Tudo isso para chegar à Argentina. A relação Argentina-Brasil é obviamente o eixo da integração sul-americana. Esses dois países precisam desempenhar -e já estão desempenhando- o papel que coube ao eixo Alemanha-França na integração da Europa.
A relação entre o Brasil e a Argentina atravessa uma fase bastante boa. O processo de integração tem os seus percalços e turbulências, mas avança mesmo assim.
Os dois países têm certamente um substrato comum -herança histórica, proximidade geográfica, certos traços culturais. Mas o que chama mais atenção são as diferenças entre os dois povos -diferenças psicológicas, de "caráter nacional".
O romantismo -em vertente exacerbada- talvez seja o traço distintivo do argentino. O romantismo com todo o seu colorido e fulguração -mas também com os seus abismos de morbidez, doença e culto do sofrimento.
O brasileiro não tem nada a ver com isso. Ao contrário, somos essencialmente pragmáticos, céticos, tendendo para o deboche. Quase diria: o brasileiro é o anti-romântico por excelência.
E, no entanto, os dois se entendem, se complementam, se atraem. O romantismo tem o seu poder magnético para nós também. Um grande escritor português, Fernando Pessoa, expressou isso muito bem, em uma passagem do seu belíssimo "Livro do Desassossego":
"A maior acusação ao romantismo não se fez ainda: é a de que ele representa a verdade interior da natureza humana. Os seus exageros, os seus ridículos, os seus poderes vários de comover e de seduzir, residem em que ele é a figuração exterior do que há mais dentro na alma".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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