São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Como andam os fundos de investimento

GESNER OLIVEIRA

Saber onde aplicar o dinheiro não é tarefa fácil, especialmente em tempos de instabilidade global, como a que caracterizou esta semana. Em meio à turbulência, muitos leitores têm perguntado sobre alternativas específicas de aplicação, como os fundos de investimento.
Já faz quase dois meses que o Banco Central antecipou a adoção da chamada "marcação a mercado" dos fundos de investimento e as perdas de patrimônio da indústria não estancaram. No mês de junho, os resgates brutos dos fundos, que não consideram a variação causada pela rentabilidade negativa, foram de R$ 19,6 bilhões. No mês de julho, os resgates líquidos estavam em R$ 7,9 bilhões até o dia 18.
O que foi a "marcação a mercado", que deu tanta dor de cabeça a gestores e cotistas? O Banco Central passou a exigir que os ativos em cada carteira fossem registrados pelo seu valor de mercado, e não pelo valor de face pelo qual o papel foi adquirido.
A marcação anterior era feita pelo valor de aquisição dos títulos, que eram corrigidos até o seu vencimento. Como se sabe, o dono de um bem, um apartamento de alto luxo, por exemplo, pode pedir a fortuna que quiser pelo seu imóvel, mas só vende ao preço que o mercado pagar. O mesmo ocorre com os títulos públicos, que podem ter valor mais baixo se não houver liquidez no mercado secundário.
Antes de 31 de maio, a exigência da "marcação a mercado" já existia, mas era frouxa, e boa parte dos fundos contabilizava seus títulos pelo valor de aquisição corrigido. É como se o fundo comprasse um imóvel e o registrasse como ativo pelo valor da aquisição, apropriando a cada dia uma parte da valorização que espera obter pelo seu investimento em dez anos.
Diante da diferença entre o preço de aquisição e o valor de revenda no mercado secundário, alguns cotistas podiam atuar de forma oportunista, resgatando suas cotas antes dos demais. Para pagar esses cotistas, o fundo era obrigado a vender alguns de seus papéis por valor inferior ao registrado em sua contabilidade. Tal ação gerava prejuízo aos cotistas remanescentes.
A marcação a mercado é, portanto, correta, ao impedir tal distorção. A norma da marcação a mercado já existia, e a ação do Banco Central teve o sentido de implementá-la, algo que já deveria ter sido feito há algum tempo.
Apesar das dificuldades conjunturais, a indústria de fundos de investimento tem assumido importância crescente, apresentando vantagens em relação a outros instrumentos, como a poupança e o CDB.
A Anbid (Associação Nacional de Bancos de Investimento) registrou 4.206 fundos no fim de junho, representando um patrimônio total de R$ 341 bilhões, 2,6 vezes o saldo da caderneta de poupança. No início dos anos 90, a situação era inversa e o saldo da poupança chegou a ser o dobro do patrimônio dos fundos. Em 1994, por ocasião do lançamento do Plano Real, os dois tinham a mesma magnitude.
As carteiras dos fundos de investimento são compostas predominantemente por títulos da dívida pública federal. Segundo a Anbid, esses papéis representavam 71,34% das carteiras em junho de 2002, somando mais de R$ 200 bilhões. O restante inclui ações, debêntures e CDBs, operações compromissadas, entre outras aplicações.
A importância dos papéis públicos nas carteiras dos fundos mostra como são nocivas aos aplicadores propostas irresponsáveis e infundadas de calote nas obrigações da dívida pública.
Do ponto de vista do aplicador, a possibilidade de escolha de carteiras constitui o grande atrativo dos fundos. A moderna teoria de finanças ensina que a diversificação dos investimentos é a forma de reduzir o risco. Ao escolher um fundo, o poupador pode optar por uma carteira de acordo com a sua propensão a correr riscos para obter retornos mais elevados.
Outra vantagem dos fundos é evitar os elevados custos de monitoramento dos investimentos, terceirizando essa atividade a uma equipe especializada em gestão de recursos. Um pequeno aplicador pode, assim, aproveitar os melhores momentos da Bolsa de Valores ou as variações do dólar e dos juros, o que seria impossível se tivesse que monitorar por conta própria, em tempo real, o turbilhão de informações financeiras e as oscilações de preços de ativos.
Na ponta do lápis, as aplicações em fundos continuam sendo rentáveis, embora o leitor deva estar atento aos diferentes desempenhos e taxas de administração de acordo com a instituição. Apesar das turbulências recentes, a rentabilidade média de um fundo referenciado ao DI no primeiro semestre foi de 7,3%, e a de um fundo de renda fixa, de 6,7%, contra um rendimento de 4,2% da tradicional caderneta de poupança e uma inflação de 2,94% no mesmo período.
Como em toda média que é calculada sobre um grande universo, existem fundos que renderam menos e mesmo os que ficaram abaixo da poupança no primeiro semestre. Como na suinocultura, a aplicação financeira também não engorda sem o olho do dono.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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