|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Como andam os fundos de investimento
GESNER OLIVEIRA
Saber onde aplicar o dinheiro não é tarefa fácil, especialmente em tempos de instabilidade global, como a que caracterizou esta semana. Em meio à turbulência, muitos leitores têm perguntado sobre alternativas específicas de aplicação, como os fundos de investimento.
Já faz quase dois meses que o
Banco Central antecipou a adoção da chamada "marcação a
mercado" dos fundos de investimento e as perdas de patrimônio
da indústria não estancaram. No
mês de junho, os resgates brutos
dos fundos, que não consideram a
variação causada pela rentabilidade negativa, foram de R$ 19,6
bilhões. No mês de julho, os resgates líquidos estavam em R$ 7,9 bilhões até o dia 18.
O que foi a "marcação a mercado", que deu tanta dor de cabeça
a gestores e cotistas? O Banco
Central passou a exigir que os ativos em cada carteira fossem registrados pelo seu valor de mercado,
e não pelo valor de face pelo qual
o papel foi adquirido.
A marcação anterior era feita
pelo valor de aquisição dos títulos, que eram corrigidos até o seu
vencimento. Como se sabe, o dono de um bem, um apartamento
de alto luxo, por exemplo, pode
pedir a fortuna que quiser pelo
seu imóvel, mas só vende ao preço
que o mercado pagar. O mesmo
ocorre com os títulos públicos, que
podem ter valor mais baixo se
não houver liquidez no mercado
secundário.
Antes de 31 de maio, a exigência
da "marcação a mercado" já existia, mas era frouxa, e boa parte
dos fundos contabilizava seus títulos pelo valor de aquisição corrigido. É como se o fundo comprasse um imóvel e o registrasse
como ativo pelo valor da aquisição, apropriando a cada dia uma
parte da valorização que espera
obter pelo seu investimento em
dez anos.
Diante da diferença entre o preço de aquisição e o valor de revenda no mercado secundário, alguns cotistas podiam atuar de
forma oportunista, resgatando
suas cotas antes dos demais. Para
pagar esses cotistas, o fundo era
obrigado a vender alguns de seus
papéis por valor inferior ao registrado em sua contabilidade. Tal
ação gerava prejuízo aos cotistas
remanescentes.
A marcação a mercado é, portanto, correta, ao impedir tal distorção. A norma da marcação a
mercado já existia, e a ação do
Banco Central teve o sentido de
implementá-la, algo que já deveria ter sido feito há algum tempo.
Apesar das dificuldades conjunturais, a indústria de fundos de
investimento tem assumido importância crescente, apresentando vantagens em relação a outros
instrumentos, como a poupança e
o CDB.
A Anbid (Associação Nacional
de Bancos de Investimento) registrou 4.206 fundos no fim de junho, representando um patrimônio total de R$ 341 bilhões, 2,6 vezes o saldo da caderneta de poupança. No início dos anos 90, a situação era inversa e o saldo da
poupança chegou a ser o dobro do
patrimônio dos fundos. Em 1994,
por ocasião do lançamento do
Plano Real, os dois tinham a mesma magnitude.
As carteiras dos fundos de investimento são compostas predominantemente por títulos da dívida pública federal. Segundo a Anbid, esses papéis representavam
71,34% das carteiras em junho de
2002, somando mais de R$ 200 bilhões. O restante inclui ações, debêntures e CDBs, operações compromissadas, entre outras aplicações.
A importância dos papéis públicos nas carteiras dos fundos mostra como são nocivas aos aplicadores propostas irresponsáveis e
infundadas de calote nas obrigações da dívida pública.
Do ponto de vista do aplicador,
a possibilidade de escolha de carteiras constitui o grande atrativo
dos fundos. A moderna teoria de
finanças ensina que a diversificação dos investimentos é a forma
de reduzir o risco. Ao escolher um
fundo, o poupador pode optar por
uma carteira de acordo com a sua
propensão a correr riscos para obter retornos mais elevados.
Outra vantagem dos fundos é
evitar os elevados custos de monitoramento dos investimentos, terceirizando essa atividade a uma
equipe especializada em gestão de
recursos. Um pequeno aplicador
pode, assim, aproveitar os melhores momentos da Bolsa de Valores
ou as variações do dólar e dos juros, o que seria impossível se tivesse que monitorar por conta própria, em tempo real, o turbilhão
de informações financeiras e as
oscilações de preços de ativos.
Na ponta do lápis, as aplicações
em fundos continuam sendo rentáveis, embora o leitor deva estar
atento aos diferentes desempenhos e taxas de administração de
acordo com a instituição. Apesar
das turbulências recentes, a rentabilidade média de um fundo referenciado ao DI no primeiro semestre foi de 7,3%, e a de um fundo de renda fixa, de 6,7%, contra
um rendimento de 4,2% da tradicional caderneta de poupança e
uma inflação de 2,94% no mesmo
período.
Como em toda média que é calculada sobre um grande universo,
existem fundos que renderam
menos e mesmo os que ficaram
abaixo da poupança no primeiro
semestre. Como na suinocultura,
a aplicação financeira também
não engorda sem o olho do dono.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: "Consenso de Guaiaquil" faz crítica as barreiras comerciais dos ricos Próximo Texto: Colapso da Argentina: Juíza libera recursos contra "corralito" Índice
|