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ANÁLISE
Bush está interessado na Previdência ou no lucro dos amigos?
PAUL KRUGMAN
Desde os primeiros meses
de 2000, o índice Nasdaq
caiu cerca de 75%, e o Standard &
Poor's 500, de base mais ampla,
em mais de 40%. Não se trata de
prejuízos estritamente contábeis;
são desilusões e até mesmo dificuldades materiais para milhões
de americanos. Agora, mais do
que nunca, precisamos de instituições que ofereçam uma rede
de segurança para a classe média.
No entanto, George Bush continua querendo acreditar que está
em uma festa como em 1999. Na
quarta-feira, ele disse que continuava favorável a uma privatização parcial do Seguro Social.
Tenham em mente que os americanos comuns já estão mais vulneráveis do que nunca às flutuações do mercado de ações. Há
vinte anos, a maioria dos trabalhadores tinha planos de pensão
com "benefícios definidos", ou
seja, os empregadores lhes prometiam pensões no valor de uma
dada quantia anual. Durante a
longa alta das Bolsas, no entanto,
esse tipo de plano foi em larga
medida substituído pelas contas
401(k) -planos de "contribuição definida" cujos rendimentos
dependem do resultado dos mercados. Isso parecia ótimo quando
as ações estavam subindo. Mas
agora muita gente vai terminar
descobrindo que não pode se
aposentar, ou que terá de viver
com muito menos dinheiro do
que esperava. Para alguns, o Seguro Social será a única coisa que
resta.
Bush começou a defender a privatização do Seguro Social em
uma época em que as pessoas
continuavam acreditando que as
ações só tinham um destino: para
cima. Mesmo então, a proposta
defendida por ele não fazia sentido; como já expliquei no passado, baseava-se na alegação de que
2-1=4, de que era possível transferir os impostos trabalhistas pagos pelos trabalhadores mais jovens para contas pessoais de poupança e ainda assim pagar os benefícios prometidos aos trabalhadores mais velhos. Mas agora até
mesmo essa promessa sem sentido de que as contas individuais
de investimento teriam retorno
semelhante ao dos mercados de
ações parece nada atraente. Assim, por que o presidente continua insistindo na idéia?
Um motivo é ideológico: os
conservadores da linha dura estão determinados a construir
uma ponte que nos leve de volta
aos anos 20. Outro é o complexo
de infalibilidade de Bush: recuar
quanto à privatização seria admitir, pelo menos implicitamente,
que ele cometeu um erro, e esse
governo nunca, nunca, o faria.
Mas talvez exista mais um motivo. Pergunte quem se beneficiaria diretamente com a criação de
"contas pessoais de investimento" sob a égide do Seguro Social?
As contas pessoais não funcionarão como uma carteira de
ações. A Administração do Seguro Social não pode nem vai virar
uma corretora de ações para 130
milhões de clientes, a maioria dos
quais terá contas de montante
bastante pequeno. Em vez disso,
o provável é que um esquema de
privatização exija que os indivíduos optem por um dentre uma
lista de fundos de investimento
privados pré-selecionados.
Isso implicaria em enormes comissões para os administradores
desses fundos. E é evidente que os
prováveis beneficiários gostariam de demonstrar sua gratidão,
com antecedência: na eleição de
2000, de acordo com a opensecrets.org, os contribuintes para
campanhas políticas classificados em duas categorias, "valores
mobiliários e investimento" e "finanças diversos" (basicamente
operadores individuais de mercado) deram a Bush quase seis
vezes mais dinheiro do que deram a Al Gore.
Nesse caso, igualmente, o passado de Bush serve como prólogo. Eu contei em coluna anterior
a história do Utimco, o fundo da
Universidade do Texas que, enquanto Bush governava o Estado
e seu atual secretário de Comércio, Donald Evans, presidia o
conselho de regência da universidade, aplicou mais de US$ 1 bilhão em instituições privadas,
muitas delas estreitamente ligadas a Bush em termos de negócios ou pessoais. Entre os beneficiários estavam os irmãos Wyly,
que mais tarde financiaram uma
campanha decisiva de difamação
contra John McCain. ("Bush
mostra suas cores venenosas",
era o título de uma reportagem
sobre a campanha, de autoria de
Andrew Sullivan, um jornalista
online bastante conhecido.)
Será que as economias que os
americanos acumulam para sua
aposentadoria deveriam realmente ser usadas para recompensar os amigos do governo?
Perguntem aos professores do
Texas. Em uma das muitas transações estranhas acontecidas durante o governo estadual Bush, o
sistema de aposentadoria dos
professores do Texas vendeu diversos edifícios sem concorrência aberta, registrando um prejuízo de US$ 70 milhões, para uma
empresa controlada por Richard
Rainwater, um dos protagonistas
cruciais na ascensão de Bush à riqueza.
Em 16/08/1998, em uma reportagem no "Houston Chronicle"
- que deveria ser leitura obrigatória para quem quer que tente
entender o governo Bush-, o
jornalista R. G. Ratcliffe resumia
de maneira muito direta essa e
muitas outras transações incomuns: "Surge um padrão quando
um Bush está no poder, os associados dos Bush nos negócios se
beneficiam".
Evidentemente, as contas de investimento pessoal no Seguro Social teriam de ser administradas
por instituições nacionais de boa
reputação. Bush não entregaria a
administração do sistema aos
seus velhos cupinchas do Texas,
entregaria?
Quando um político insiste em
uma proposta que, sob qualquer
critério normal de cálculo, estaria
completamente desmoralizada, é
preciso imaginar o por quê.
Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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