São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Falta de reformas?

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O governo comemora a expectativa de um crescimento do PIB um pouco superior a 4% neste ano, vendo aí os resultados de sua política macroeconômica. É um obvio equívoco. Neste ano, o crescimento é generalizado na América Latina. As previsões apontam para um crescimento médio da região de 4,8%, depois de três anos em que a expansão média do PIB foi de apenas 0,5% ao ano. Javier Santiso, economista-chefe para a América Latina do BBVA, publica artigo no "Le Monde" (21/9) no qual atribui a três fatores externos esse desempenho: crescimento da economia mundial, particularmente da China; evolução favorável dos preços dos produtos primários; e ampla liquidez internacional.
O Brasil precisa de um crescimento médio anual de 5% para que se possa poder falar em retomada do desenvolvimento, e, no entanto, está crescendo menos do que isso em um ano de recuperação. Por que o desempenho é tão medíocre?
Há duas explicações concorrentes. A ortodoxia convencional vinda de Washington e de Nova York -e reproduzida localmente pelos economistas oficiais- afirma que o problema é microeconômico e só pode ser resolvido por meio de reformas institucionais liberalizantes, que permitam aos mercados alocar melhor os fatores e tornem a produção mais eficiente. O novo desenvolvimentismo não nega a necessidade de reformas, desde que, além de fortalecer o mercado, fortaleçam também o Estado, mas considera o desequilíbrio macroeconômico e a decorrente poupança pública negativa como as principais causas da semi-estagnação em que o país vive há tantos anos.
Entre 1980 e 1994, o desequilíbrio macroeconômico manifestava-se por alta inflação, desequilíbrio das contas externas e desequilíbrio das contas fiscais expresso em poupança pública negativa e elevado déficit público. Em 1983, o problema de fluxo do balanço de pagamentos foi resolvido com a desvalorização bem-sucedida daquele ano, mas restou o problema de estoque representado pela dívida. Em 1990, o problema fiscal foi superado. Em 1994, o problema da alta inflação foi resolvido com a neutralização da inércia inflacionária. Parecia que, afinal, caminhávamos para o desenvolvimento. Entretanto, devido principalmente à reforma representada pela abertura da conta-capital, o desequilíbrio externo restabeleceu-se, acoplado agora com o desequilíbrio fiscal, decorrente dos gastos elevados do governo, principalmente de juros. Estabelecia-se, no país, a equação macroeconômica perversa de juro alto e câmbio baixo.
Em 1999-2002, por meio de duas crises de balanço de pagamentos, a taxa de câmbio depreciou-se, e esse fator, mais condições internacionais favoráveis mencionadas acima, permitiu que o déficit em conta corrente fosse zerado. Voltávamos a superar o desequilíbrio externo, não graças a uma política deliberada, mas devido a duas crises. O desequilíbrio fiscal, entretanto, continua a ameaçar a economia brasileira, apesar do elevado superávit primário, porque a Selic continua a bombear os recursos públicos para os rentistas e o sistema financeiro, e a dívida pública continua a aumentar.
A ortodoxia convencional, porém, continua impávida a afirmar que o problema fundamental não é macro. Este estaria basicamente "resolvido", como, aliás, confirma o FMI, com seus elogios à política econômica do governo... O que falta no Brasil não seria um verdadeiro equilíbrio na macroeconomia, acompanhado por uma política do governo de investimentos públicos e de apoio à competitividade internacional de nossas empresas, como afirma o novo desenvolvimentismo, mas mais reformas institucionais. A própria taxa de juros seria alta no Brasil por falta de reformas!
Reformas institucionais são sempre necessárias, constituindo uma atividade rotineira dos Estados. Os parlamentos existem para isso. As reformas, entretanto, devem ocorrer de forma gradual, porque é necessário tempo para serem bem desenhadas e bem debatidas, para, por meio da persuasão e do compromisso, alcançarem maioria para aprovação e, finalmente, para serem implementadas.
O Brasil vem realizando reformas importantes desde 1990, quatro anos depois de, por meio do Plano Baker, o governo americano definir como sua estratégia para os países altamente endividados. Sob pressão do exterior, existe sempre o risco de que se aprovem reformas erradas, que não interessem ao país. Veja-se, por exemplo, a permissão para que empresas multinacionais adquirissem nossos serviços públicos monopolistas ou quase monopolistas e nossos grandes bancos de varejo. Ou então a reforma que abriu nossa conta-capital, permitindo a livre entrada e saída de capitais. Foram reformas desastrosas para o país. Outras reformas, como a abertura comercial, foram favoráveis, mas deveriam ter sido realizadas mais lentamente e haver deixado mais espaço para negociação com outros países.
As reformas são necessárias porque estão dando conta de problemas emergentes e significativos, mas podem trazer resultados negativos e, de qualquer forma, raramente produzem resultados no curto prazo. Fazer depender delas os resultados de curto prazo de que o país necessita para voltar a crescer não faz sentido. Veja-se, por exemplo, o caso da taxa de juros. Pretende-se que ela é alta por falta de reformas que assegurem mais segurança aos credores. Ora, durante anos e anos, enquanto o Brasil crescia de forma acelerada, a taxa básica de juros do Banco Central era muito mais baixa. Como explicar agora seu nível estratosférico com instituições inadequadas? Os credores internos têm hoje menos garantias do que tinham no passado? Por outro lado, outros países da América Latina com classificação de risco igual ou pior do que o Brasil apresentam taxas de juros muito mais baixas. Isso significa que, nesses países, como o Peru, por exemplo, exista mais segurança jurídica do que no Brasil?
Vamos fazer as reformas que interessam ao país, que fortaleçam o Estado e o mercado. Mas não vamos usá-las para justificar desequilíbrios macroeconômicos que podemos resolver sem elas. Ou que podemos resolver com a ajuda de reformas específicas, como a desindexação completa do setor real da economia e a desvinculação da taxa Selic a ela própria.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail - bresserpereira@uol.com.br


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