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OPINIÃO ECONÔMICA
Falta de reformas?
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
O governo comemora a expectativa de um crescimento
do PIB um pouco superior a 4%
neste ano, vendo aí os resultados
de sua política macroeconômica.
É um obvio equívoco. Neste ano, o
crescimento é generalizado na
América Latina. As previsões
apontam para um crescimento
médio da região de 4,8%, depois
de três anos em que a expansão
média do PIB foi de apenas 0,5%
ao ano. Javier Santiso, economista-chefe para a América Latina do
BBVA, publica artigo no "Le Monde" (21/9) no qual atribui a três fatores externos esse desempenho:
crescimento da economia mundial, particularmente da China;
evolução favorável dos preços dos
produtos primários; e ampla liquidez internacional.
O Brasil precisa de um crescimento médio anual de 5% para
que se possa poder falar em retomada do desenvolvimento, e, no
entanto, está crescendo menos do
que isso em um ano de recuperação. Por que o desempenho é tão
medíocre?
Há duas explicações concorrentes. A ortodoxia convencional vinda de Washington e de Nova York
-e reproduzida localmente pelos
economistas oficiais- afirma que
o problema é microeconômico e só
pode ser resolvido por meio de reformas institucionais liberalizantes, que permitam aos mercados
alocar melhor os fatores e tornem
a produção mais eficiente. O novo
desenvolvimentismo não nega a
necessidade de reformas, desde
que, além de fortalecer o mercado,
fortaleçam também o Estado, mas
considera o desequilíbrio macroeconômico e a decorrente poupança pública negativa como as principais causas da semi-estagnação
em que o país vive há tantos anos.
Entre 1980 e 1994, o desequilíbrio
macroeconômico manifestava-se
por alta inflação, desequilíbrio das
contas externas e desequilíbrio das
contas fiscais expresso em poupança pública negativa e elevado
déficit público. Em 1983, o problema de fluxo do balanço de pagamentos foi resolvido com a desvalorização bem-sucedida daquele
ano, mas restou o problema de estoque representado pela dívida.
Em 1990, o problema fiscal foi superado. Em 1994, o problema da
alta inflação foi resolvido com a
neutralização da inércia inflacionária. Parecia que, afinal, caminhávamos para o desenvolvimento. Entretanto, devido principalmente à reforma representada pela abertura da conta-capital, o desequilíbrio externo restabeleceu-se, acoplado agora com o desequilíbrio fiscal, decorrente dos gastos
elevados do governo, principalmente de juros. Estabelecia-se, no
país, a equação macroeconômica
perversa de juro alto e câmbio baixo.
Em 1999-2002, por meio de duas
crises de balanço de pagamentos,
a taxa de câmbio depreciou-se, e
esse fator, mais condições internacionais favoráveis mencionadas
acima, permitiu que o déficit em
conta corrente fosse zerado. Voltávamos a superar o desequilíbrio
externo, não graças a uma política
deliberada, mas devido a duas crises. O desequilíbrio fiscal, entretanto, continua a ameaçar a economia brasileira, apesar do elevado superávit primário, porque a
Selic continua a bombear os recursos públicos para os rentistas e o
sistema financeiro, e a dívida pública continua a aumentar.
A ortodoxia convencional, porém, continua impávida a afirmar
que o problema fundamental não
é macro. Este estaria basicamente
"resolvido", como, aliás, confirma
o FMI, com seus elogios à política
econômica do governo... O que falta no Brasil não seria um verdadeiro equilíbrio na macroeconomia, acompanhado por uma política do governo de investimentos
públicos e de apoio à competitividade internacional de nossas empresas, como afirma o novo desenvolvimentismo, mas mais reformas institucionais. A própria taxa
de juros seria alta no Brasil por
falta de reformas!
Reformas institucionais são
sempre necessárias, constituindo
uma atividade rotineira dos Estados. Os parlamentos existem para
isso. As reformas, entretanto, devem ocorrer de forma gradual,
porque é necessário tempo para
serem bem desenhadas e bem debatidas, para, por meio da persuasão e do compromisso, alcançarem maioria para aprovação e, finalmente, para serem implementadas.
O Brasil vem realizando reformas importantes desde 1990, quatro anos depois de, por meio do
Plano Baker, o governo americano
definir como sua estratégia para
os países altamente endividados.
Sob pressão do exterior, existe
sempre o risco de que se aprovem
reformas erradas, que não interessem ao país. Veja-se, por exemplo,
a permissão para que empresas
multinacionais adquirissem nossos serviços públicos monopolistas
ou quase monopolistas e nossos
grandes bancos de varejo. Ou então a reforma que abriu nossa
conta-capital, permitindo a livre
entrada e saída de capitais. Foram
reformas desastrosas para o país.
Outras reformas, como a abertura
comercial, foram favoráveis, mas
deveriam ter sido realizadas mais
lentamente e haver deixado mais
espaço para negociação com outros países.
As reformas são necessárias porque estão dando conta de problemas emergentes e significativos,
mas podem trazer resultados negativos e, de qualquer forma, raramente produzem resultados no
curto prazo. Fazer depender delas
os resultados de curto prazo de
que o país necessita para voltar a
crescer não faz sentido. Veja-se,
por exemplo, o caso da taxa de juros. Pretende-se que ela é alta por
falta de reformas que assegurem
mais segurança aos credores. Ora,
durante anos e anos, enquanto o
Brasil crescia de forma acelerada,
a taxa básica de juros do Banco
Central era muito mais baixa. Como explicar agora seu nível estratosférico com instituições inadequadas? Os credores internos têm
hoje menos garantias do que tinham no passado? Por outro lado,
outros países da América Latina
com classificação de risco igual ou
pior do que o Brasil apresentam
taxas de juros muito mais baixas.
Isso significa que, nesses países, como o Peru, por exemplo, exista
mais segurança jurídica do que no
Brasil?
Vamos fazer as reformas que interessam ao país, que fortaleçam o
Estado e o mercado. Mas não vamos usá-las para justificar desequilíbrios macroeconômicos que
podemos resolver sem elas. Ou que
podemos resolver com a ajuda de
reformas específicas, como a desindexação completa do setor real
da economia e a desvinculação da
taxa Selic a ela própria.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política
da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e
Tecnologia. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
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