São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Estudo de Furtado mostra efeitos negativos do petróleo na Venezuela

Trabalhos inéditos de economista contribuem para o debate sobre o pré-sal

ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO

A euforia provocada pela descoberta de enormes reservas petrolíferas no litoral brasileiro -na camada pré-sal da bacia de Santos- pôs em segundo plano uma evidência histórica: os países que souberam usar os recursos do petróleo para promover o desenvolvimento econômico e social são minoria.
Pesquisadores e economistas de todo o mundo tentam explicar o fenômeno. Uma valiosa contribuição se tornou pública neste mês, com o lançamento em livro, pela primeira vez, de dois estudos.
Trata-se das pesquisas do economista Celso Furtado (1920-2004) na Venezuela em dois momentos distintos, 1957 e 1974, agora reunidas em "Ensaios sobre a Venezuela - Subdesenvolvimento com abundância de divisas".
Nos estudos, Furtado faz amplo diagnóstico dos impactos das receitas do petróleo sobre a estrutura produtiva. As pesquisas tiveram circulação restrita. A primeira foi alvo de uma espécie de "censura branca" do ditador venezuelano Marcos Pérez Giménez, em 1957.
Agora, diante da perspectiva de as reservas brasileiras se multiplicarem nos próximos anos, Rosa Freire D'Aguiar, viúva do economista, decidiu publicar os estudos no primeiro volume da série "Arquivos Celso Furtado".
"É uma análise fascinante. Mostra como a sobrevalorização do câmbio, nas circunstâncias de boom petrolífero, pode afetar a indústria e a agricultura de um país. Por isso, o general de plantão [na Venezuela] não achou muita graça", diz ela.
Encomendado pela Cepal (órgão das Nações Unidas para assessoramento à América Latina), o estudo de 1957 -quando o país surfava num ciclo de alta do petróleo- conclui que a abundância de divisas fragilizou a agricultura venezuelana e impediu que o país se industrializasse (à exceção, evidentemente, do setor de petróleo).
Isso porque a supervalorização da moeda fez com que salários e custos de produção aumentassem, mas concentrou a produtividade no setor de petróleo. Como o resto da economia manteve baixo nível de produtividade, outros setores foram impedidos de crescer, exportar e absorver tecnologia.
E mais: a abundância dos recursos do petróleo foi instrumento de concentração de renda e desigualdade social, na medida em que impediu a qualificação da mão-de-obra nos outros segmentos da economia.
"A combinação dos elevados salários monetários com a sobrevalorização externa (preços baixos dos equipamentos) dá origem a uma tendência de substituir mão-de-obra por capital (...), resultando em atraso na diversificação ocupacional da população e na expansão do mercado interno", escreveu Furtado.
"É um ensaio pioneiro, que antecipa as linhas conceituais do que a ciência econômica só veio a entender depois, quando estudou os impactos do câmbio permanentemente sobrevalorizado por causa da exportação de commodities", diz Carlos Medeiros, professor da UFRJ.
Nas últimas duas décadas, economistas e pesquisadores vêm se esforçando para entender o fenômeno, que ficou conhecido como "doença holandesa" -referência às crescentes exportações de gás natural da Holanda na segunda metade da década de 70.
Quando voltou à Venezuela para o segundo estudo, em 1974, já sob a democracia, na primeira gestão de Carlos Andrés Pérez, em outro ciclo de alta do petróleo, Furtado constatou que a situação se agravara.
No caderno de anotações, escreveu: "Não pode haver maior evidência de que o subdesenvolvimento é uma maneira deformada de acumular capital. Caracas é uma criação do automóvel: imensos capitais foram imobilizados para criar este corpo pesado que funciona queimando royalties".
Na pesquisa de 1974, além de reiterar a força nefasta do petróleo sobre a produtividade da economia, Furtado observa que a Venezuela perdera a capacidade de poupar: "Criou-se um sistema econômico que produz pouco excedente sob a forma de poupança e impostos. Um sistema fundamentalmente orientado para o consumo e o desperdício".
E, nas anotações pessoais, o economista brasileiro observou ainda que não apenas o quadro econômico havia se deteriorado. "Ele constatou um mal típico de sistemas daquele tipo: a corrupção política, que já existia na ditadura dos anos 50, ficou ainda pior", diz Rosa.
No início de 1975, Furtado deixou Caracas. Pouco depois, André Péres, embalado pelo dinheiro fácil, nacionalizou a indústria do petróleo (e a siderúrgica). Em 1989, voltou ao poder em um ciclo de baixa. Quatro anos depois, acabou afastado sob impeachment, acusado de corrupção.
A Venezuela estava mergulhada numa crise, resultado da ressaca provocada pelo petróleo e pelo endividamento público. Um ano antes de Péres ter sido afastado, um obscuro coronel pára-quedista liderou uma tentativa de golpe: Hugo Chávez.


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