São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Doutor Alckmin e Mister Geraldo

Tucano torna-se barata tonta da esquerda, ataca "elites" do seu palanque e afunda na mixórdia política da eleição

O QUE SE PASSOU com Geraldo Alckmin nas derradeiras semanas da campanha eleitoral? O que houve com esse político um dia ungido pelos homens de empresa, que sempre viveu em odor de santidade privada? O que sucedeu ao herói do contribuinte escorchado, o predileto da elite branca? O leitor, que é perspicaz, terá notado a estranha metamorfose do doutor Alckmin em mister Geraldo.
Terá percebido que, em uma certa manhã da campanha eleitoral, ao despertar de sonhos inquietantes de derrota, o doutor Alckmin havia se transformado em uma imensa barata tonta da esquerda de fancaria. Num populista de segunda. Num representante, real ou de fantasia, da ira pequeno-burguesa contra ricos e elites. Num praticante enfim assumido da mixórdia no debate público.
Na noite de quinta-feira, mister Geraldo despediu-se dos comícios para entrar na história da demagogia. Mister Geraldo censurou o amor de Lula por luxos. O renegado Lula tornou-se o "homem dos banqueiros, parceiro das oligarquias". Mais alguns dias de campanha e mister Geraldo faria de seu palanque o patíbulo dos coronéis, o cadafalso dos pefelistas de proa. ACM e Jorge Bornhausen seriam pendurados nas cordas. E o que seria feito dos banqueiros filiados ao PSDB? Logo eles, dos financistas mais esclarecidos.
Doutor Alckmin era o homem do mercado. Mister Geraldo não privatiza mais. Mister Geraldo não reforma. Não corta gasto. Compromete-se com subsídios irracionais (Zona Franca). Alckmin poderia dizer cinicamente que se comporta como guelfo para os gibelinos e como gibelino para os guelfos, se tivesse a graça intelectual do falecido José Guilherme Merquior. Mas nada. "O que não se parece com nada não existe", escreveu Valéry, o poeta. Alckmin não existe, assim como sua campanha ou suas idéias.
No comício, FHC e mister Geraldo ainda apontaram o dedo para Delfim Netto, o novo "mentor de Lula". Anátema! Homem da ditadura militar! Sim! Ele e o PFL inteirinho! O PFL, esteio da ditadura, esteio de Fernando Collor, museu vivo da oligarquia, cúmplice do PSDB no maior aumento de impostos da história do Brasil desde os tempos da derrama mineira. O PFL, ninho de fabricantes e consumidores de dossiês (como ACM), de violadores de sigilos (como o da votação secreta do Senado, obra de ACM e José Roberto Arruda, ex-tucano, pefelê eleito para governar a capital federal). Ficou difícil saber o que é pior: comprar carro usado de Lula ou tomar anestesia do doutor Alckmin.
O Brasil ora é uma sociedade que parece agregar identidades e interesses políticos apenas em categorias difusas como "pobres" e "ricos/ elites", embora tais categorias englobem uma enormidade de nichos de interesses e identidades políticas e sociais, bem vivas e diferentes.
Muito pouco desses interesses têm voz no Estado, e cada vez menos por meio da política partidária, ainda mais desfigurada nessa eleição.
O embate de Alckmin e Lula foi outro ato da pantomima do "fim das ideologias", apesar de a votação ser socialmente polarizada. As candidaturas convergiram para a burra e horrenda conservação da ordem, que inclui tanto o Bolsa Família como a economia "tout court".


vinit@uol.com.br

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