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OPINIÃO ECONÔMICA
A austeridade é burra (ou uma estátua para Malan)
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Houve uma época em que
Nelson Rodrigues era uma
presença constante, quase obrigatória, nesta coluna. As suas "boutades" e frases de impacto amenizavam a aridez dos temas econômicos.
Eu me lembro de que, no início,
causava uma certa estranheza a
referência insistente e até obsessiva a um escritor que nada entendia de economia e acompanhava
a pantomima dos economistas do
seu tempo com "divertido horror", como dizia. Apesar disso, o
fato é que ele fazia as suas incursões relâmpago em questões financeiras. Uma das minhas preferidas: "O dinheiro compra tudo.
Até amor verdadeiro".
Com o passar do tempo, porém,
deu-se um fenômeno curioso. Comecei a nutrir, confesso, um certo
ressentimento contra o excepcional cronista. Ficava com a sensação amarga de que as pessoas só
me liam na expectativa de esbarrar nas suas piadas e tiradas geniais. O meu amigo Osiris Lopes
Filho, num dos seus rompantes,
chegou a sugerir que eu me especializasse em "psicografá-lo".
Nesses momentos, a minha vaidade autoral entrava em profunda recessão.
Resolvi, então, submeter os leitores à ausência de Nelson Rodrigues. Durante meses e meses, nenhuma menção, nenhuma vaga
referência. Foi uma verdadeira
provação.
Não funcionou. Ainda outro
dia, um conhecido reclamou:
"Você nunca mais falou no Nelson Rodrigues. Fala de novo nele,
Paulo, fala!". Prometi fazê-lo, e
estou aqui cumprindo a promessa.
Nas minhas insônias, que são
muitas, releio às vezes as suas crônicas. Na semana passada, topei
com a seguinte observação econômica: "Não se promove a grandeza de uma nação com escrúpulos
cretinos (a austeridade é burra)".
A observação me pareceu de fremente atualidade.
"Lançam a inflação na cara de
Juscelino", escrevia ele em 1961.
"Mas o Brasil estava de tanga, estava de folha de parreira, ou pior:
-com um barbante em cima do
umbigo. Todo o Nordeste lambia
rapadura. E vamos e venhamos:
para um povo que lambe rapadura, que sentido têm os artigos do
professor Gudin? Sempre existiram os Gudins e o povo sempre
lambeu rapadura. Ao passo que o
Brasil só conheceu um Juscelino."
Eugênio Gudin, para quem não
sabe, era um dos principais economistas liberais do país naquela
época, foi a voz econômica da
UDN e precursor de Roberto
Campos. A contraposição JK-Gudin é certeira.
No Brasil, sempre houve duas
grandes correntes de pensamento
e ação em matéria de política econômica e política internacional.
Uma encara o Brasil como sócio
menor e acanhado de um projeto
liderado pelos Estados Unidos e
outros países desenvolvidos. No
campo econômico, a sua marca
registrada é a mentalidade de
guarda-livros, a busca da estabilidade monetária e do equilíbrio
fiscal, ainda que com sacrifício do
desenvolvimento. Ela passa, por
exemplo, por Campos Salles, Eugênio Gudin, Roberto Campos,
Fernando Henrique Cardoso e
Pedro Malan.
A outra corrente vê o Brasil como país-continente, de imenso
potencial, capaz de figurar entre
as principais nações do mundo.
Ela inclui Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Roberto Simonsen, Celso Furtado, Dilson Funaro, Barbosa Lima Sobrinho e o
próprio Nelson Rodrigues. "Se o
Brasil não existisse", escreveu ele,
"o Maranhão e o Piauí seriam
grandes nações sul-americanas.
Madureira seria outro grande do
continente."
E o presidente Lula? O tempo
dirá. Por enquanto, o seu governo
oscila entre as duas correntes. Em
Brasília, muitos compreendem
que o Brasil não pode mais se acomodar com o padrão medíocre
dos anos 90. Percebem que, se o
Estado brasileiro continuar dominado por "escrúpulos cretinos", o país não sairá do lugar.
Por outro lado, no Ministério
da Fazenda há quem declare, em
alto e bom som, que o ex-ministro
Pedro Malan e a sua equipe merecem uma estátua em praça pública...
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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