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São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

A mocinha da Varig

Seis horas da manhã, aeroporto de Congonhas, em São Paulo, depois de ter perdido o sono às 4h30 com receio de perder o vôo. A mocinha da Varig pergunta se tenho bagagem. Apenas uma de mão. Pede para pesar na esteira. Sete quilos. "Não pode embarcar com ela, tem que despachar", diz ela. Mas como? É um notebook, não pode ser despachado. "Tem razão", diz a mocinha, "mas a orientação do DAC tem que ser cumprida." Mas nunca me informaram disso, digo-lhe. E ela: "Comecei a trabalhar agora, fiz um curso, estudei o regulamento do DAC, e pacote com mais de cinco quilos tem que ser despachado".
Mas não posso despachar notebook no bagageiro, insisto. Ela concorda. Qual a saída? A mocinha da Varig sugere que eu leve o notebook na mão e despache a mala vazia. Tento explicar que um notebook sem a pasta é mais perigoso do que com a pasta, que pelo menos é de couro acolchoado. Ela concorda, mas regulamento é regulamento. Sugere, então, que eu vá à livraria Laselva e consiga uma sacolinha de plástico para colocar o notebook. Disse que não adiantava, que a sacola era muito frágil. "Então, só com autorização do DAC", decide ela, firme, porém educada.
Lá vou eu para a sala do DAC, a essa altura 6h20. Chego, porta fechada. O DAC só abre às 6h30, e aí já teria perdido o vôo.
Vou para a sala de embarque, para ver se consigo argumentar com o povo de lá. Entro sem ser incomodado, a pasta passa pelo raio X, e, quando olho em torno de mim, dezenas de passageiros com malas, pacotes muito maiores do que minha pasta.
Três dias depois, outra viagem. Entro na sala de embarque, e nada de meu companheiro de viagem chegar. Pouco antes de o vôo sair, pelo celular ele informa que foi barrado na Varig. Perdera sua carteira de identidade e tirou um documento comprovando a perda. Aí a atendente da Varig perguntou se a carteira tinha sido roubada ou extraviada. Ele diz não saber, mas aparentemente foi extravio. "Então não pode embarcar com esse documento", disse ele. "O regulamento do DAC diz que só serve esse documento se for extravio, se for roubo, não". E não houve quem a demovesse. Pergunto se é uma gordinha simpática. "É, como você sabe?".
A mocinha da Varig resolveu cumprir o regulamento, e quase parou o aeroporto de Congonhas. E aí você começa a entender que maluquice a burocracia fez com o país em todos os níveis. Ao longo de décadas, burocratas diligentes do DAC, assim como de todas as outras repartições, foram criando e criando regulamentos, sem consultar ninguém que não o seu chefe. E os aeroportos só funcionavam porque ninguém cumpria os regulamentos. Até que apareceu a mocinha da Varig com a conclusão óbvia: se alguém escreveu o regulamento, é porque alguém tem que cumprir o regulamento, senão não haveria por que escrever o regulamento. Atrás do regulamento pode estar a mocinha da Varig ou um fiscal.
Por via das dúvidas, na salinha da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem um quadrinho citando a Constituição e informando que ofender funcionário público sujeita o agressor às penas da lei.

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