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COMÉRCIO GLOBAL
Abertura de mercados agrícolas de países ricos é prioridade; tarifa de importação é a principal arma
Brasil trava batalha do século passado na OMC
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
O Brasil está travando, na Rodada Doha de negociações comerciais, a primeira do século 21, batalhas do século passado, até retrasado.
Sua principal prioridade é conseguir que os países ricos abram
seus mercados agrícolas, uma atividade que, a rigor, nem é do século 19, mas a mais antiga do ser
humano no planeta.
E a principal arma de defesa na
área de bens industriais, mais moderna, é a tarifa de importação,
usada em larga escala no século
passado e mesmo no anterior para o desenvolvimento dos países
ricos, mas, hoje, em xeque pela
globalização da economia.
Não quer dizer, como é óbvio,
que agricultura não seja importante ou nobre. Quer apenas dizer
que pesa menos, bem menos, nas
economias dos países desenvolvidos. Na União Européia, por
exemplo, o peso da agricultura
não vai além de 2,1%. No Brasil, o
mais recente levantamento da
CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) mostrava que, em 2004, a agricultura respondia por 31% da economia.
A comparação entre esses dois
números explica a ofensiva brasileira pela abertura do mercado
agrícola dos países ricos, mas não
explica a formidável resistência
dos europeus a ceder nessa área,
que representa apenas 9% do comércio mundial.
Para o Brasil, o agronegócio,
componente essencial da área
agrícola e que tem estreita ligação
com a indústria, é o único caminho para aumentar as exportações de imediato, se caírem ou forem reduzidas as barreiras.
O país já o terceiro maior exportador agrícola, atrás apenas de Estados Unidos e da União Européia, e "está encurtando distâncias em alta velocidade, às vezes
de tirar o fôlego", como diz Jens
Schaps, o principal negociador
agrícola da UE.
Mais: "O agronegócio responde
por 35% dos empregos e 40% das
exportações do país, sem contar a
sua contribuição crucial no processo de interiorização do desenvolvimento", como diz Marcos
Jank, um dos maiores especialistas do setor privado em negociações agrícolas.
Passado x presente
Fica fácil, portanto, entender a
motivação brasileira. Mas e a européia, uma economia moderna,
assentada na indústria e nos serviços?
Há uma coleção de explicações,
que vão desde uma suposta memória histórica dos tempos de fome em massa como conseqüência
das muitas guerras em solo europeu até o peso dos agricultores no
financiamento de campanhas
eleitorais, o que torna os eleitos
suscetíveis às suas pressões.
Sejam quais forem as razões européias, elas provocaram um nítido curso de colisão com o Brasil e
também com os EUA, que apresentaram uma oferta de abertura
agrícola modesta mas menos insuficiente que a européia.
De todo modo, não convém subestimar o potencial de conflito
entre Brasil e Estados Unidos
também na área agrícola. O chanceler Celso Amorim, quando debateu há dez dias na Fiesp as negociações comerciais, fez questão
de deixar claro que a oferta dos
EUA de redução dos subsídios internos era muito pobre, na medida em que apenas transferia seus
pagamentos aos agricultores dos
modos proibidos para os mais ou
menos permitidos.
Pedro de Camargo Neto, talvez
o mais experiente negociador
agrícola do Brasil no setor privado, depois de ter também passado
pelo governo na administração
passada, vai mais longe: acha que
os Estados Unidos vão cortar apenas US$ 1,260 bilhão em relação
ao volume hoje aplicado
(US$ 23,2 bilhões), quantia inferior ao que teriam de todo modo
que cortar se implementada a decisão da OMC que considerou ilegais os subsídios ao algodão.
Seja como for, o eixo está mesmo com a Europa e trata de uma
questão de passado versus presente. A liberalização agrícola só
entrou na agenda internacional
na rodada anterior (a Rodada
Uruguai, aberta em 1986 e encerrada em 1994). Assim mesmo,
houve uma abertura modesta.
A lógica brasileira na negociação é a de que se deve, finalmente,
colocar a agricultura no mesmo
pé dos demais setores, em especial a indústria, fortemente liberalizada desde a Segunda Guerra
Mundial (1939/45), mas especialmente na Rodada Uruguai.
Por isso, dizem sempre os negociadores brasileiros, não há que
cobrar uma abertura em bens industriais e serviços, como fazem
europeus e norte-americanos, para compensar as concessões em
agricultura, que já estão muito
atrasadas.
Os europeus nem escutam. "Temos que fazer progressos em todas as frentes simultaneamente e
com similar nível de ambição",
diz Peter Mandelson, o comissário europeu para o Comércio (espécie de ministro).
Os números explicam a lógica
européia: 85% de suas exportações são de bens industriais e 76%
dos postos de trabalho estão nos
serviços, que dão emprego a 150
milhões de pessoas.
Nesse cenário, a defesa encarniçada dos agricultores europeus
pode ter até um viés poético, alegando, como fazem sempre, que
são menos produtores rurais e
mais "jardineiros da natureza".
O Brasil, sem uma indústria
com grande potencial exportador, a não ser em alguns setores,
inclusive dependentes da produção do campo, não pode se dar a
luxos desse tipo. Até porque um
estudo do Banco Mundial diz que
um corte na proteção agrícola inferior a 50% dificilmente levaria a
"benefícios reais" aos produtores
rurais dos países em desenvolvimento (a Europa quer cortar suas
tarifas de importação na área
agrícola em apenas 39%).
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