São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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COMÉRCIO GLOBAL

Abertura de mercados agrícolas de países ricos é prioridade; tarifa de importação é a principal arma

Brasil trava batalha do século passado na OMC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

O Brasil está travando, na Rodada Doha de negociações comerciais, a primeira do século 21, batalhas do século passado, até retrasado.
Sua principal prioridade é conseguir que os países ricos abram seus mercados agrícolas, uma atividade que, a rigor, nem é do século 19, mas a mais antiga do ser humano no planeta.
E a principal arma de defesa na área de bens industriais, mais moderna, é a tarifa de importação, usada em larga escala no século passado e mesmo no anterior para o desenvolvimento dos países ricos, mas, hoje, em xeque pela globalização da economia.
Não quer dizer, como é óbvio, que agricultura não seja importante ou nobre. Quer apenas dizer que pesa menos, bem menos, nas economias dos países desenvolvidos. Na União Européia, por exemplo, o peso da agricultura não vai além de 2,1%. No Brasil, o mais recente levantamento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) mostrava que, em 2004, a agricultura respondia por 31% da economia.
A comparação entre esses dois números explica a ofensiva brasileira pela abertura do mercado agrícola dos países ricos, mas não explica a formidável resistência dos europeus a ceder nessa área, que representa apenas 9% do comércio mundial.
Para o Brasil, o agronegócio, componente essencial da área agrícola e que tem estreita ligação com a indústria, é o único caminho para aumentar as exportações de imediato, se caírem ou forem reduzidas as barreiras.
O país já o terceiro maior exportador agrícola, atrás apenas de Estados Unidos e da União Européia, e "está encurtando distâncias em alta velocidade, às vezes de tirar o fôlego", como diz Jens Schaps, o principal negociador agrícola da UE.
Mais: "O agronegócio responde por 35% dos empregos e 40% das exportações do país, sem contar a sua contribuição crucial no processo de interiorização do desenvolvimento", como diz Marcos Jank, um dos maiores especialistas do setor privado em negociações agrícolas.

Passado x presente
Fica fácil, portanto, entender a motivação brasileira. Mas e a européia, uma economia moderna, assentada na indústria e nos serviços?
Há uma coleção de explicações, que vão desde uma suposta memória histórica dos tempos de fome em massa como conseqüência das muitas guerras em solo europeu até o peso dos agricultores no financiamento de campanhas eleitorais, o que torna os eleitos suscetíveis às suas pressões.
Sejam quais forem as razões européias, elas provocaram um nítido curso de colisão com o Brasil e também com os EUA, que apresentaram uma oferta de abertura agrícola modesta mas menos insuficiente que a européia.
De todo modo, não convém subestimar o potencial de conflito entre Brasil e Estados Unidos também na área agrícola. O chanceler Celso Amorim, quando debateu há dez dias na Fiesp as negociações comerciais, fez questão de deixar claro que a oferta dos EUA de redução dos subsídios internos era muito pobre, na medida em que apenas transferia seus pagamentos aos agricultores dos modos proibidos para os mais ou menos permitidos.
Pedro de Camargo Neto, talvez o mais experiente negociador agrícola do Brasil no setor privado, depois de ter também passado pelo governo na administração passada, vai mais longe: acha que os Estados Unidos vão cortar apenas US$ 1,260 bilhão em relação ao volume hoje aplicado (US$ 23,2 bilhões), quantia inferior ao que teriam de todo modo que cortar se implementada a decisão da OMC que considerou ilegais os subsídios ao algodão.
Seja como for, o eixo está mesmo com a Europa e trata de uma questão de passado versus presente. A liberalização agrícola só entrou na agenda internacional na rodada anterior (a Rodada Uruguai, aberta em 1986 e encerrada em 1994). Assim mesmo, houve uma abertura modesta.
A lógica brasileira na negociação é a de que se deve, finalmente, colocar a agricultura no mesmo pé dos demais setores, em especial a indústria, fortemente liberalizada desde a Segunda Guerra Mundial (1939/45), mas especialmente na Rodada Uruguai.
Por isso, dizem sempre os negociadores brasileiros, não há que cobrar uma abertura em bens industriais e serviços, como fazem europeus e norte-americanos, para compensar as concessões em agricultura, que já estão muito atrasadas.
Os europeus nem escutam. "Temos que fazer progressos em todas as frentes simultaneamente e com similar nível de ambição", diz Peter Mandelson, o comissário europeu para o Comércio (espécie de ministro).
Os números explicam a lógica européia: 85% de suas exportações são de bens industriais e 76% dos postos de trabalho estão nos serviços, que dão emprego a 150 milhões de pessoas.
Nesse cenário, a defesa encarniçada dos agricultores europeus pode ter até um viés poético, alegando, como fazem sempre, que são menos produtores rurais e mais "jardineiros da natureza".
O Brasil, sem uma indústria com grande potencial exportador, a não ser em alguns setores, inclusive dependentes da produção do campo, não pode se dar a luxos desse tipo. Até porque um estudo do Banco Mundial diz que um corte na proteção agrícola inferior a 50% dificilmente levaria a "benefícios reais" aos produtores rurais dos países em desenvolvimento (a Europa quer cortar suas tarifas de importação na área agrícola em apenas 39%).


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