São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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Indústria já se autodenomina "moeda de troca"

DO ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

Ruy de Salles Cunha, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, já entra com uma espécie de habeas corpus preventivo: denuncia uma proposta recente do Ministério da Fazenda como uma tentativa de "transformar nossa indústria em moeda de troca nas negociações internacionais, em favor da conquista de novos mercados para os produtos agrícolas brasileiros".
Salles Cunha alude a um documento da Fazenda que propõe reduzir de 35% para 10,5% a tarifa máxima registrada pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio e trazer a média dos atuais 30% para 9,79%.
O governo entendeu o habeas corpus da indústria. Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático do presidente Lula, disse que o papel da Fazenda nem existia, uma vez que não chegara ao Palácio do Planalto.
Não adiantou. O papel está na pasta com que Sandra Gallina, a negociadora européia de bens industriais, anda para cima e para baixo. "Parece que eles [os autores do estudo] seguiram nossos parâmetros", festeja Gallina.
É até possível que as tarifas de importação da indústria sejam preservadas no ciclo de negociações porque os europeus mostram-se pouco dispostos a ceder substancialmente em agricultura e, sem as concessões, o Brasil cede pouco nas outras áreas.
Mesmo assim, a fórmula de cortes na indústria que está sendo debatida, se adotar o coeficiente máximo citado pelo relatório do grupo de trabalho dessa área, levará a uma redução de 50% nas tarifas brasileiras. Mas aí é que entra o truque: o Itamaraty quer cortar 50% sobre a tarifa registrada na OMC (na média, 30%), com o que a média viria para 15%. Os europeus querem que a redução se faça sobre a tarifa efetivamente aplicada (12% na média, o que reduziria a proteção tarifária a apenas 6%).
Conseqüência: "Se os países desenvolvidos forçarem os em desenvolvimento a cortar maciçamente suas tarifas industriais de maneira irreversível, a perspectiva futura de desenvolvimento industrial e, por extensão, de desenvolvimento econômico é realmente pálida", escreve Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge.
Se já é assim num momento de reduzidas ambições liberalizantes, tende a ser pior depois. A proposta da Fazenda reflete a linha de pensamento que vê a proteção tarifária para a indústria como coisa do passado. Proteger, portanto, um dos setores tende apenas a encarecer componentes e tornar menos competitiva a exportação do produto final.
Se der certo o habeas corpus preventivo da indústria eletroeletrônico, esse pode ser um dos beneficiários da "flexibilidade".
Os números ajudam na argumentação: as importações de 2005 atingirão US$ 15 bilhões, US$ 8 bilhões mais que as exportações. "Se hoje, com as atuais tarifas, o valor de importações já é elevado, imagine se abrirmos indiscriminadamente", avisa Salles Cunha. (CR)


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