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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mentiras e demagogias de um relatório

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Pretendia expor hoje minhas angústias e reflexões sobre os problemas do setor elétrico e os caminhos propostos pelo governo Lula para recolocá-lo nos trilhos. Entretanto a divulgação, pelo Ministério das Comunicações, de críticas contundentes ao projeto de reestruturação do setor realizado pelo ministro Sérgio Motta obriga-me a sair em sua defesa. Faço isso com grande empenho, não só pelo absurdo dos argumentos, mas também como homenagem a meu grande amigo que deu sua vida pela execução do projeto.
O Ministério das Comunicações decretou que a verdadeira revolução que aconteceu nas telecomunicações foi apenas um "pseudo-sucesso". Em 1995, quando Serjão recebeu o ministério das mãos de seu antecessor, o hoje senador Antonio Carlos Magalhães, o Brasil tinha cerca de 12 milhões de telefones. O preço de uma linha era da ordem de R$ 3.000; o de um celular, de mais de R$ 5.000. Nessa situação, quase 90% dos telefones pertenciam a empresas e a brasileiros das classes A e B.
Hoje temos 74 milhões de telefones, divididos quase igualmente entre terminais fixos e móveis, um aumento de seis vezes no período de sete anos. Uma linha telefônica fixa é instalada em 48 horas e custa apenas R$ 50. Os celulares podem ser comprados até em supermercados! Em 1995, o número de telefones por mil habitantes no Brasil era menor do que a média dos países da América Latina; hoje, é 60% superior.
A reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo" de 25 deste mês, com o título "Brasileiros acessam a internet como os usuários dos países ricos", baseada em pesquisa realizada pelo Ibope, revela que temos hoje 7,4 milhões de internautas ativos, um crescimento de 24% em relação a 2001. A conta mensal de uma linha da internet é de R$ 40, e a pesquisa mostrou uma concentração de quase 90% nas classes A e B, apontando o preço de um computador como a causa principal dessa situação.
Mesmo diante desse quadro numérico inquestionável, o documento "vazado" pelo ministério comandado pelo deputado brizolista Miro Teixeira clama por mudanças urgentes e radicais. "Usando uma linguagem de palanque eleitoral", como bem disse "O Estado de S.Paulo" em editorial da última quinta-feira, os assessores ocultos de Miro apontam como a principal prova do fracasso a existência de mais de 10 milhões de linhas de telefones fixas inativas. Dizem ainda que, hoje, para cada linha telefônica ativada, uma é desligada por falta de pagamento.
"O mingau de tolices", emprestando mais uma vez palavras do editorial de "O Estado de S.Paulo", continua quando o relatório afirma que as tarifas atuais, extorsivas e antipopulares, são as grandes responsáveis por essa situação. Ao mesmo tempo revela que apenas 30% das linhas telefônicas ativas são rentáveis para as concessionárias de telefonia, o que cria problemas de rentabilidade para o setor e pode inibir novos investimentos para a expansão dos serviços. Essa combinação de linhas ociosas por falta de capacidade de pagamentos e a reduzida rentabilidade das empresas em razão do baixo valor das contas de telefone seriam, segundo nossos críticos ocultos, a prova inconteste da falência do sistema.
Raciocinem comigo, meu leitor da Folha: esses dois fatores -apontados como sinais evidentes do fracasso da reforma realizada- têm sua origem na queda de renda havida no Brasil durante os últimos quatro anos de mandato do presidente FHC, e não no funcionamento do modelo atual do sistema de telecomunicações. Se o valor atual das tarifas -extorsivas, segundo o relatório- fosse a causa da baixa utilização do parque de telefones, não teríamos 70% das linhas abaixo do custo marginal do serviço. Portanto, se de um lado a redução de seu valor pudesse aumentar o número de usuários, por outro levaria as empresas a trabalhar no prejuízo.
Outra prova do absurdo do raciocínio dos autores desse mingau é o fato de que as tarifas fixadas pela Anatel são valores máximos. As concessionárias têm liberdade para operar tarifas menores e, se fosse esse o limitador da utilização das linhas ociosas, elas certamente estariam promovendo campanhas para tentar trazer seus antigos clientes de volta. Dada a racionalidade que comanda a operação de empresas privadas, se esse mecanismo não é utilizado, é porque sua operação seria deficitária.
Uma pergunta deve ser feita, então: por que estão sobrando linhas telefônicas para empresas que operam buscando o lucro? A resposta é muito simples: porque os contratos de concessão obrigaram as concessionárias a atingir índices de universalização dos serviços fixados previamente pelo Ministério das Comunicações. Essas metas, definidas em 1997 e que deveriam ser atingidas em quatro anos, foram construídas a partir de estimativas que contemplavam um crescimento da renda do brasileiro de 4% ao ano. Na realidade tivemos, entre 1997 e 2002, uma queda da ordem de 20%.
A falta de crescimento econômico e críticas à política econômica dos anos FHC não estão no documento. E não estão porque era de interesse de seus autores buscar dentro do modelo atual as causas dessa subutilização do parque de telefones. Os motivos dessa esperteza são claros para quem acompanha o dia-a-dia das questões políticas: trazer de volta para o ministério, esvaziado por Sérgio Motta para evitar influência política nas empresas de telefonia, o controle sobre o setor de telecomunicações, hoje nas mãos da Anatel.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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