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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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CONFLITO DE INTERESSES

Para Goldman Sachs, falta "clareza regulatória" especialmente em relação à política de preços

Incerteza afeta contas externas, diz banco

DA REPORTAGEM LOCAL

Políticas macroeconômicas certas. Políticas microeconômicas confusas. Esse foi o balanço dos rumos seguidos pelo atual governo apresentado pela Goldman Sachs, uma das principais instituições financeiras mundiais, a seus clientes em recente relatório.
Com o título: "Brasil: a dicotomia entre políticas macro e microeconômicas", o relatório alerta para a ameaça de que a queda de investimentos provocada pela falta de clareza regulatória em setores de infra-estrutura acabe prejudicando as contas externas e o equilíbrio fiscal do país.
"Há uma luz amarela acesa por conta de incertezas regulatórias, principalmente em relação à política de preços de alguns setores. Como consultores, sabemos que há decisões de investimento de grandes empresas represadas por isso", diz Paulo Leme, diretor de pesquisa para mercados emergentes da Goldman Sachs.
Hoje, o principal temor do mercado, que vale para vários setores de infra-estrutura, é que o governo decida mudar contratos para controlar preços.
O problema é que quebras de contrato e intervenção são palavras que provocam arrepios no mercado. Do lado macroeconômico, o governo Lula tem agradado aos investidores justamente pelo oposto disso, ou seja, pela firmeza com que tem mantido políticas ortodoxas.

Divórcio
"Hoje, há um divórcio claro entre macroeconomia e microeconomia no Brasil. O risco que enfrentamos é que a segunda, que se resume à falta de um modelo regulatório, acabe afetando negativamente a primeira", diz Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.
Com certeza, as dúvidas em relação à atuação do governo em setores de infra-estrutura têm contribuído para a queda de investimentos diretos estrangeiros neste ano. No primeiro trimestre, esse fluxo somou apenas US$ 1,97 bilhão, valor 57,8% inferior ao do mesmo período do ano passado.
"O raciocínio do investidor é que, enquanto o modelo regulatório não ficar claro, não vale a pena investir aqui. Isso já tem valido para o setor de energia. Mas poderá ser o caso também do setor de telecomunicações se o governo alterar o modelo de livre concorrência", diz Rodrigo Fonseca, sócio da Arx Capital Management.
Na semana passada, o governo já reduziu sua estimativa de investimentos diretos para o país em 2003 de US$ 16 bilhões para US$ 13 bilhões. No mercado, o consenso gira em torno de US$ 11 bilhões. Segundo analistas, a forte queda no fluxo de investimentos de fora não ameaça o fechamento das contas externas neste ano.
A necessidade de financiamento do governo é de aproximadamente US$ 30 bilhões. Além dos investimentos diretos, o país ainda poderá sacar US$ 24 bilhões de empréstimo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Problemas começariam a acontecer se o fluxo de investimentos externos continuar minguado em consequência das incertezas domésticas e internacionais relacionadas à economia mundial.
Além de ameaçar as contas externas do país no futuro, a queda de investimento afetaria negativamente setores industriais, como fornecedores de equipamentos, o nível de emprego e, portanto, a atividade econômica.

Sobra de energia
Além das incertezas regulatórias, herdadas do governo anterior e que têm aumentado neste, as empresas do setor elétrico enfrentam ainda sobra de energia.
Em parte, esse excesso, estimado em 7.000 MW, é consequência de problemas regulatórios do passado que culminaram no apagão vivido pelo país em 2001. Procurado pela Folha para comentar o assunto, o Ministério de Minas e Energia não ligou de volta.
"Os problemas são todos interligados e passam, de alguma forma, pela falta de um modelo de regulamentação claro e adequado", diz François Moreau, especialista em infra-estrutura e diretor da Estratégia & Valor.
Segundo Moreau, embora mais sérios no setor de energia, os problemas de regulamentação atingem outros segmentos de infra-estrutura, como telecomunicações, gás, petróleo, saneamento e ambiente. Na área de telecomunicações, uma das principais dúvidas é sobre uma possível mudança na fórmula de reajuste das tarifas, hoje corrigidas pelo IGP-DI. "As dúvidas têm afastado os investidores. E a tendência é que isso continue assim enquanto o governo não deixar claro quais são seus objetivos", diz Cláudio Salles, presidente da Câmara Brasileira de Investidores do Setor Elétrico.

Consequências
São duas as consequências mais temidas devido à confusão no marco regulatório de setores de infra-estrutura no país. Há quem avente a possibilidade de que a interrupção de investimentos no setor elétrico, principalmente em usinas termelétricas, acabe culminando em novo apagão.
É o caso de Xisto Vieira, presidente da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas). Segundo Vieira, há projetos suspensos de investimentos em termelétricas que deveriam atrair cerca de US$ 10 bilhões para o país em quatro ou cinco anos.
Outro risco que começa a preocupar os economistas é que esse recuo de investimentos não termine tão cedo e acabe contaminando os fundamentos macroeconômicos do país. (ÉRICA FRAGA)


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