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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O governo contra as agências

ALBERTO GOLDMAN

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu o pontapé inicial ao expressar que "o governo foi terceirizado". Fruto da incompreensão do presidente, seus ministros, igualmente mal preparados, puseram-se em campo e passaram a bombardear uma das ações mais consistentes e modernas do governo passado: a construção de instrumentos do Estado brasileiro passíveis de agir com relativa autonomia a serviço dos interesses do povo e menos sujeitos às injunções políticas do momento.
Não compreenderam, ou não quiseram compreender, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de Direito (artigo 1º da Constituição Federal); que são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (artigo 2º da Constituição); que o título IV da Constituição, que trata da organização dos Poderes, dedica três capítulos, o capítulo I ao Poder Legislativo, o II ao Poder Executivo e o III ao Poder Judiciário, estabelecendo suas formas de organização, suas respectivas atribuições e suas relações. A época do Império, "L'état c'est moi", já foi. Na República, prevalece a lei, e a sua obediência é imposta a qualquer cidadão, desde o mais humilde até o presidente da República.
As agências criadas seguiram o processo que a democracia impõe. Foram iniciativa do Executivo, aprovadas pelo Legislativo, sancionadas por aquele e estão sujeitas, quando existe qualquer questionamento, ao Judiciário. Nasceram da nova concepção da forma que deve ter o Estado brasileiro e de seu papel.
Nada impede que um novo governo, produto de um novo arranjo das forças políticas, que se sinta contrariado com as reformas que foram feitas, enseje uma nova discussão do tema, já que ele tem, no caso, o poder de iniciativa privativa (artigo 61, parágrafo 1º, letra "e" da Constituição). O que ele não pode é se insurgir contra as agências, por meio da intimidação, pelas sucessivas acusações públicas que procuram colocar a população contra elas, e da sabotagem, negando-lhes as ferramentas necessárias para a execução de sua missão. É uma verdadeira subversão do Estado democrático de Direito.
Os exemplos estão aí. No último dia 21 de março o presidente baixou um decreto que criou, no Ministério das Comunicações, a Secretaria de Telecomunicações, com a competência para "orientar, acompanhar e fiscalizar as atividades da Agência Nacional de Telecomunicações" (a Anatel), tentando colocá-la a seu serviço. Ora, a lei 9.472, de 16/7/97, diz que "compete à União, por intermédio do órgão regulador (...), organizar a exploração dos serviços de telecomunicações" (artigo 1º); que "fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações..." e que "a natureza de autarquia especial conferida à agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade dos seus dirigentes e autonomia financeira" (artigo 8º e parágrafo 2º); e que compete à agência implementar a política nacional de telecomunicações, esta, sim, dever dos Poderes Executivo e Legislativo. Como se pode ler, sem sombra de dúvidas, o ministério extrapolou de suas funções, baixou uma norma sem nenhum respaldo, que não terá nenhum efeito legal.
Também em 26 de março o sr. Mauricio Tolmasquim, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, afirma que a partir daí a sua pasta promoverá as licitações destinadas à contratação de concessionários de serviço público na área de energia elétrica, contrariando o artigo 3º da lei 9.927/76, que instituiu a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a quem compete aquela incumbência.
A última é de o sr. Luiz Alfredo Salomão, que se diz convidado a integrar a Agência Nacional do Petróleo, afirmar que vai para lá "representar o governo".
A questão mais candente, que atinge as duas áreas, energética e de telecomunicações, é a das tarifas, que é regida pela Lei das Concessões (lei 8.987/95) e pelas duas leis específicas que criaram a Anatel e a Aneel. A Lei das Concessões diz em seu artigo 29 que incumbe ao poder concedente "homologar reajustes e proceder a revisão das tarifas na forma desta lei, das normas pertinentes e do contrato". A lei que instituiu a Aneel determinou que é de sua competência as incumbências previstas no artigo 29 acima descrito. Também na lei que criou a Anatel, em seu artigo 103, parágrafo 3º, "as tarifas serão fixadas no contrato de concessão...".
Tanto o Ministério das Comunicações como o de Minas e Energia afirmam que fixarão tetos ou limites de reajuste. Ora, como se vê pelos textos legais, não é de sua competência. Compete aos órgãos reguladores, nos termos e limites dos contratos assinados, que, vale dizer, são atos jurídicos perfeitos e, como tal, sujeitos ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que não permite, nem à lei, prejudicar o ato jurídico perfeito. Quanto mais deixar a questão ao talante dos ilustres ministros.
Bravatas à parte, essas declarações e ações ilegais não ajudam a enfrentar os verdadeiros problemas com os quais nos defrontamos. Criam, isso sim, uma enorme confusão em áreas tão sensíveis e fundamentais, tanto para os investidores quanto para os consumidores.


Alberto Goldman, 65, deputado federal (PSDB-SP), é vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Orestes Quércia).


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