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OPINIÃO ECONÔMICA
O governo contra as agências
ALBERTO GOLDMAN
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva deu o pontapé
inicial ao expressar que "o governo foi terceirizado". Fruto da incompreensão do presidente, seus
ministros, igualmente mal preparados, puseram-se em campo e
passaram a bombardear uma das
ações mais consistentes e modernas do governo passado: a construção de instrumentos do Estado
brasileiro passíveis de agir com
relativa autonomia a serviço dos
interesses do povo e menos sujeitos às injunções políticas do momento.
Não compreenderam, ou não
quiseram compreender, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de
Direito (artigo 1º da Constituição
Federal); que são Poderes da
União o Legislativo, o Executivo e
o Judiciário (artigo 2º da Constituição); que o título IV da Constituição, que trata da organização
dos Poderes, dedica três capítulos,
o capítulo I ao Poder Legislativo, o
II ao Poder Executivo e o III ao
Poder Judiciário, estabelecendo
suas formas de organização, suas
respectivas atribuições e suas relações. A época do Império, "L'état c'est moi", já foi. Na República,
prevalece a lei, e a sua obediência
é imposta a qualquer cidadão,
desde o mais humilde até o presidente da República.
As agências criadas seguiram o
processo que a democracia impõe. Foram iniciativa do Executivo, aprovadas pelo Legislativo,
sancionadas por aquele e estão
sujeitas, quando existe qualquer
questionamento, ao Judiciário.
Nasceram da nova concepção da
forma que deve ter o Estado brasileiro e de seu papel.
Nada impede que um novo governo, produto de um novo arranjo das forças políticas, que se
sinta contrariado com as reformas que foram feitas, enseje uma
nova discussão do tema, já que ele
tem, no caso, o poder de iniciativa
privativa (artigo 61, parágrafo 1º,
letra "e" da Constituição). O que
ele não pode é se insurgir contra
as agências, por meio da intimidação, pelas sucessivas acusações
públicas que procuram colocar a
população contra elas, e da sabotagem, negando-lhes as ferramentas necessárias para a execução de sua missão. É uma verdadeira subversão do Estado democrático de Direito.
Os exemplos estão aí. No último
dia 21 de março o presidente baixou um decreto que criou, no Ministério das Comunicações, a Secretaria de Telecomunicações,
com a competência para "orientar, acompanhar e fiscalizar as atividades da Agência Nacional de
Telecomunicações" (a Anatel),
tentando colocá-la a seu serviço.
Ora, a lei 9.472, de 16/7/97, diz que
"compete à União, por intermédio do órgão regulador (...), organizar a exploração dos serviços de
telecomunicações" (artigo 1º);
que "fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da administração
pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e
vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações..." e que "a natureza de autarquia especial conferida à agência é caracterizada por independência administrativa, ausência
de subordinação hierárquica,
mandato fixo e estabilidade dos
seus dirigentes e autonomia financeira" (artigo 8º e parágrafo
2º); e que compete à agência implementar a política nacional de
telecomunicações, esta, sim, dever dos Poderes Executivo e Legislativo. Como se pode ler, sem
sombra de dúvidas, o ministério
extrapolou de suas funções, baixou uma norma sem nenhum
respaldo, que não terá nenhum
efeito legal.
Também em 26 de março o sr.
Mauricio Tolmasquim, secretário-executivo do Ministério de
Minas e Energia, afirma que a
partir daí a sua pasta promoverá
as licitações destinadas à contratação de concessionários de serviço público na área de energia elétrica, contrariando o artigo 3º da
lei 9.927/76, que instituiu a Aneel
(Agência Nacional de Energia Elétrica), a quem compete aquela incumbência.
A última é de o sr. Luiz Alfredo
Salomão, que se diz convidado a
integrar a Agência Nacional do
Petróleo, afirmar que vai para lá
"representar o governo".
A questão mais candente, que
atinge as duas áreas, energética e
de telecomunicações, é a das tarifas, que é regida pela Lei das Concessões (lei 8.987/95) e pelas duas
leis específicas que criaram a Anatel e a Aneel. A Lei das Concessões
diz em seu artigo 29 que incumbe
ao poder concedente "homologar
reajustes e proceder a revisão das
tarifas na forma desta lei, das normas pertinentes e do contrato". A
lei que instituiu a Aneel determinou que é de sua competência as
incumbências previstas no artigo
29 acima descrito. Também na lei
que criou a Anatel, em seu artigo
103, parágrafo 3º, "as tarifas serão
fixadas no contrato de concessão...".
Tanto o Ministério das Comunicações como o de Minas e Energia afirmam que fixarão tetos ou
limites de reajuste. Ora, como se
vê pelos textos legais, não é de sua
competência. Compete aos órgãos reguladores, nos termos e limites dos contratos assinados,
que, vale dizer, são atos jurídicos
perfeitos e, como tal, sujeitos ao
inciso XXXVI do artigo 5º da
Constituição Federal, que não
permite, nem à lei, prejudicar o
ato jurídico perfeito. Quanto mais
deixar a questão ao talante dos
ilustres ministros.
Bravatas à parte, essas declarações e ações ilegais não ajudam a
enfrentar os verdadeiros problemas com os quais nos defrontamos. Criam, isso sim, uma enorme confusão em áreas tão sensíveis e fundamentais, tanto para os
investidores quanto para os consumidores.
Alberto Goldman, 65, deputado federal
(PSDB-SP), é vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos
Transportes (governo Itamar Franco) e
secretário da Administração do Estado
de São Paulo (governo Orestes Quércia).
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