São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

O FMI e o déficit

No Brasil políticas públicas são aquelas que dependem apenas de uma assinatura e de uma comemoração. Mais que isso é pedir muito. Típico desse comportamento é essa celebração em torno da possibilidade do FMI de excluir investimento de estatal saudável da contabilidade do déficit público.
O conceito é correto e deveria ter sido adotado havia mais tempo. A questão básica é que, a esta altura do campeonato, não vai mudar em uma vírgula a política fiscal e monetária.
Há dois tipos de contabilidade do déficit público: o primário (que leva em conta despesas menos receitas, excluído o serviço da dívida) e o déficit nominal (que leva em conta também o serviço da dívida).
Devido à política monetária de juros altos, praticada pelo Banco Central há anos, a dívida pública chegou a níveis considerados perigosos, por volta de 58% do PIB. Para evitar elevação ainda maior, o governo precisa gerar reais que permitam pagar os juros. Hoje em dia, todo o superávit primário gerado não cobre metade do que se necessita para pagar os juros da dívida. Há um déficit nominal rombudo.
Se os investimentos de estatais forem excluídos do cálculo do déficit primário, contabilmente o superávit primário melhora. É apenas uma mudança de conceito. O montante de reais para cobrir o serviço da dívida continuará o mesmo. E onde se irão buscar os reais adicionais para impedir a explosão da dívida?
Imagine uma empresa com 1.000 de faturamento, 900 de despesas operacionais e investimentos e 200 de pagamento de juros. O resultado operacional dela é de 100 positivos. O resultado financeiro, de 100 negativos.
Suponha que desses 900 de despesas 800 sejam despesas operacionais, e 100, investimentos. Se em vez de divulgar os 900 como despesas a empresa resolver tratar 800 como despesas operacionais e 100 como investimentos, ela poderá dizer que o resultado operacional subiu de 100 para 200. Mas irão continuar faltando os mesmos 100 para cobrir os juros. Porque o dinheiro do investimento terá que sair de algum lugar.
O que a proposta apresentada ao FMI faz é apenas mudar a rubrica da contabilidade, mas não altera em um tostão o resultado financeiro da empresa. O resultado financeiro depende de três fatores:
1) Aumento de receita. No caso do governo, aumento de impostos.
2) Redução das despesas.
3) Redução dos juros.
Aumento de impostos não dá mais. Então, para acreditar que os investimentos aumentarão, será necessário acreditar que:
a) o Banco Central vai começar a derrubar as taxas reais e nominais de juros e entender que é obrigação sua, além do combate à inflação, ter responsabilidade fiscal.
b) O governo vai conseguir ganhar competência administrativa para racionalizar despesas.
São esses dois pontos que impedem a ampliação do investimento público e das estatais, e não uma mera mudança de conceito contábil. Em outros tempos -quando o único problema do país era a dependência do FMI-, essa mudança iria ajudar. Não agora, quando existe um problema efetivo de endividamento público, criado pela irresponsabilidade de sucessivos governantes.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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