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CARLOS LESSA
Política econômica: A esfinge do presidente
Falta Lula cerrar os ouvidos à persistente campanha para a redução da cobertura e dos benefícios da Previdência
NÃO TENHO DÚVIDA: o presidente Lula gosta do povo e
procura atenuar suas carências. Esse é seu compromisso essencial, que se tem expressado, no nível
da política econômica, numa consistente elevação do salário mínimo
real e na ampliação da cobertura dos
programas de renda mínima. Falta o
presidente cerrar os ouvidos à persistente campanha conservadora
para a redução da cobertura e dos
benefícios da Previdência Social. Ele
sabe de sua imensa importância para a base social brasileira.
Creio que Lula teme a inflação sobretudo porque, em primeiro lugar,
deve ter sofrido na carne a dificuldade de preservar o poder de compra
do seu salário quando da aceleração
dos preços, nos idos dos anos 80. Se
o trabalhador sindicalizado tinha dificuldade em acompanhar o processo, Lula sabe das perdas que o corrosivo vendaval inflacionário impõe
aos setores sociais pouco organizados, ao povão.
Em 2003, o presidente esteve assombrado pela idéia de ser engolido
por uma inflação ascendente tão logo assumisse. Acho que assinou a
"Carta aos Brasileiros" como um sinal contemporizador para obter
normalidade em seu primeiro ano
administrativo. Foi convencido, naquele ano, de que somente poderia
domar o dragão se apertasse os gastos públicos para pagar generosos
juros reais. Aceitou pagar enormes
juros -de fato, os mais altos do planeta- para atender aos apetites daqueles mesmos que, no passado,
reajustavam convenientemente
seus preços e desfrutavam da defesa
financeira de seus saldos monetários, pelo jogo do open. Ninguém, na
ocasião, cogitou o controle dos fluxos cambiais; ninguém lhe disse
que estava trocando a alta de preços pela estagnação econômica e
pelo desemprego. Mas o ex-sindicalista sabe que o crescimento econômico é fundamental para a defesa e a criação de empregos.
Ele deve ter achado que seria
curto o sacrifício do crescimento
pela estabilidade. Encomendou,
em fins de 2003, um Plano de Investimentos Públicos e Privados
em Infra-estrutura para que, no
ano seguinte, o Brasil vivesse o "espetáculo do crescimento". Naquele
mês de janeiro, assinei, em conjunto com o senador Aloizio Mercadante, uma Carta Aberta ao presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, pedindo o rebaixamento
da TJLP (Taxa de Juros de Longo
Prazo), como sinal de abertura do
tal espetáculo. O Banco Central autorizou uma ínfima redução, frustrando um acordo Trabalho + Capital. Mas Lula foi persuadido a dar
continuidade à política de estabilidade, pois a inflação ainda fumegava e as exportações melhoravam.
A reeleição confirmou que o brasileiro percebe em Lula alguém
que é seu. A ânsia pelo crescimento
fez Lula lançar o PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento).
Logo ressurgiu o discurso de que o
gasto público tem-se expandido de
forma imoderada, que o déficit da
Previdência é assustador. Deve ter
sido advertido de riscos de inflexão
inflacionária. O presidente confia
no investimento direto do exterior.
Em sua experiência como sindicalista, deve ter tido mais facilidade
em negociar com a grande filial estrangeira do que com a pequena e
média empresa nacional. Ele nutre
a certeza de que, mantida a estabilidade, cedo ou tarde haverá um
grande afluxo de investimentos estrangeiros.
Imagino quão sedutora terá sido
na visita de George W. Bush a promessa de investimentos estrangeiros em bioenergia. Talvez Lula tenha feito a leitura de que, finalmente, iremos "ser". Cotas de mercado norte-americano fortemente
subsidiadas, combinadas com filiais americanas produzindo para
essa cota -isso foi o que, historicamente, aconteceu com o açúcar em
Cuba. Antes de Fidel Castro, usinas de empresas norte-americanas
em Cuba desfrutavam a cota reservada do mercado açucareiro. Nesse
padrão, adeus a qualquer projeto
nacional.
Com a taxa de juros mantida elevada, com a pressão crescente pela
redução dos impostos, com o discurso que acusa o governo de gastar "muito e mal", o presidente Lula será convencido a conter os gastos e o PAC estará comprometido.
Talvez neste ano a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto) venha a ser um pouco maior
que a inexpressiva taxa do último
ano. Mas não será inaugurada nenhuma nova trajetória de crescimento.
CARLOS LESSA, 70, é economista, professor titular do
Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), foi reitor da UFRJ (2002) e é ex-presidente
do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2003-2004).
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