São Paulo, sábado, 28 de abril de 2007

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CARLOS LESSA

Política econômica: A esfinge do presidente

Falta Lula cerrar os ouvidos à persistente campanha para a redução da cobertura e dos benefícios da Previdência

NÃO TENHO DÚVIDA: o presidente Lula gosta do povo e procura atenuar suas carências. Esse é seu compromisso essencial, que se tem expressado, no nível da política econômica, numa consistente elevação do salário mínimo real e na ampliação da cobertura dos programas de renda mínima. Falta o presidente cerrar os ouvidos à persistente campanha conservadora para a redução da cobertura e dos benefícios da Previdência Social. Ele sabe de sua imensa importância para a base social brasileira.
Creio que Lula teme a inflação sobretudo porque, em primeiro lugar, deve ter sofrido na carne a dificuldade de preservar o poder de compra do seu salário quando da aceleração dos preços, nos idos dos anos 80. Se o trabalhador sindicalizado tinha dificuldade em acompanhar o processo, Lula sabe das perdas que o corrosivo vendaval inflacionário impõe aos setores sociais pouco organizados, ao povão.
Em 2003, o presidente esteve assombrado pela idéia de ser engolido por uma inflação ascendente tão logo assumisse. Acho que assinou a "Carta aos Brasileiros" como um sinal contemporizador para obter normalidade em seu primeiro ano administrativo. Foi convencido, naquele ano, de que somente poderia domar o dragão se apertasse os gastos públicos para pagar generosos juros reais. Aceitou pagar enormes juros -de fato, os mais altos do planeta- para atender aos apetites daqueles mesmos que, no passado, reajustavam convenientemente seus preços e desfrutavam da defesa financeira de seus saldos monetários, pelo jogo do open. Ninguém, na ocasião, cogitou o controle dos fluxos cambiais; ninguém lhe disse que estava trocando a alta de preços pela estagnação econômica e pelo desemprego. Mas o ex-sindicalista sabe que o crescimento econômico é fundamental para a defesa e a criação de empregos.
Ele deve ter achado que seria curto o sacrifício do crescimento pela estabilidade. Encomendou, em fins de 2003, um Plano de Investimentos Públicos e Privados em Infra-estrutura para que, no ano seguinte, o Brasil vivesse o "espetáculo do crescimento". Naquele mês de janeiro, assinei, em conjunto com o senador Aloizio Mercadante, uma Carta Aberta ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pedindo o rebaixamento da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), como sinal de abertura do tal espetáculo. O Banco Central autorizou uma ínfima redução, frustrando um acordo Trabalho + Capital. Mas Lula foi persuadido a dar continuidade à política de estabilidade, pois a inflação ainda fumegava e as exportações melhoravam.
A reeleição confirmou que o brasileiro percebe em Lula alguém que é seu. A ânsia pelo crescimento fez Lula lançar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Logo ressurgiu o discurso de que o gasto público tem-se expandido de forma imoderada, que o déficit da Previdência é assustador. Deve ter sido advertido de riscos de inflexão inflacionária. O presidente confia no investimento direto do exterior. Em sua experiência como sindicalista, deve ter tido mais facilidade em negociar com a grande filial estrangeira do que com a pequena e média empresa nacional. Ele nutre a certeza de que, mantida a estabilidade, cedo ou tarde haverá um grande afluxo de investimentos estrangeiros.
Imagino quão sedutora terá sido na visita de George W. Bush a promessa de investimentos estrangeiros em bioenergia. Talvez Lula tenha feito a leitura de que, finalmente, iremos "ser". Cotas de mercado norte-americano fortemente subsidiadas, combinadas com filiais americanas produzindo para essa cota -isso foi o que, historicamente, aconteceu com o açúcar em Cuba. Antes de Fidel Castro, usinas de empresas norte-americanas em Cuba desfrutavam a cota reservada do mercado açucareiro. Nesse padrão, adeus a qualquer projeto nacional.
Com a taxa de juros mantida elevada, com a pressão crescente pela redução dos impostos, com o discurso que acusa o governo de gastar "muito e mal", o presidente Lula será convencido a conter os gastos e o PAC estará comprometido. Talvez neste ano a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) venha a ser um pouco maior que a inexpressiva taxa do último ano. Mas não será inaugurada nenhuma nova trajetória de crescimento.


CARLOS LESSA, 70, é economista, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), foi reitor da UFRJ (2002) e é ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2003-2004).

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