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RUBENS RICUPERO
Crise mundial: ameaça ou oportunidade?
Quanto mais cedo vier o
ajuste americano, maiores as
chances de aterrissagem
suave para os EUA e o mundo
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TUDO QUE se possa dizer sobre
o risco de nova crise mundial
são variações sobre o tema da
incerteza. Elas se reduzem, no fundo, ao dilema: estamos diante de
mais um susto passageiro, destinado
a dissipar-se em alguns dias, ou é o
início do ajuste das economias norte-americana e mundial? A pergunta se desdobra em outra: o que é melhor para o Brasil, a continuação do
"desequilíbrio estável" dos últimos
anos ou o começo de ajustamento
para criar, de fato, um equilíbrio estável?
Em favor do falso alarma militam
a longa série de ameaças que se dissolveram aos raios de sol da exuberância irracional dos mercados e a
dimensão de pouca monta do fator
desencadeador do temor recente: o
pequeno aumento do núcleo da inflação americana e a perspectiva de
elevação de mais 0,25 ponto percentual sobre taxa de 5% ao ano. Nada
que se compare, por exemplo, à inflação de 11% no fim do governo Carter e à brutal elevação dos juros a
14% e mais decretada por Paul Volker pouco depois.
Em sentido contrário, pesam os
sinais de desaquecimento do mercado imobiliário dos EUA, os indícios
de que o longo período de petróleo
caro começa a trazer de volta a inflação, como se vê na valorização do
ouro e das commodities, e a convicção generalizada de que "tudo aquilo
que não pode durar para sempre um
dia acaba". É pouco para decidir,
mas é o que temos.
Quanto à segunda questão, embora seja natural preferir o desequilíbrio conhecido ao equilíbrio ignorado, cabe indagar se isso se justifica
em nosso caso. Afinal, pouco aproveitamos a expansão mundial para
crescer, é verdade que devido à dosagem dos juros e outras mazelas.
Surfamos na onda do comércio, das
commodities e da melhora dos termos de intercâmbio. Esse oxigênio
deu para manter a economia na
UTI, mas, com a demanda interna
estrangulada pelos juros, não deu
para crescer. Esperamos demais, e
agora é tarde: os estragos que o câmbio vem provocando no agronegócio
e na indústria exportadora, com
crescente desassossego social, indicam claramente que mesmo a manutenção da demanda externa de
nada servirá, pois o real forte nos expulsará dos mercados, a serem atendidos por outros.
Conforme observava, dias atrás,
Octaviano Canuto, as economias
que serão atropeladas pela crise são
as que combinam moeda supervalorizada com déficit comercial e em
conta corrente. O Brasil se enquadra
perfeitamente no primeiro critério,
o qual conduz ao segundo, ao desaparecimento dos saldos. É só questão de tempo. Será melhor esperar o
ajuste no momento em que o real
supervalorizado tiver liquidado nossos saldos e nos devolvido aonde estávamos em 1998?
Quanto mais cedo vier o ajuste
americano, maiores as chances de
aterrissagem suave para os Estados
Unidos e o mundo. Para ser eficaz, o
ajuste terá de ser acompanhado da
correção das colossais distorções
que a China e outros asiáticos estão
provocando na competitividade, por
meio das manipulações para evitar a
valorização de suas moedas perante
o dólar. O FMI (Fundo Monetário
Internacional) acaba de receber
mandato para consertar o câmbio
em dimensão mundial.
Se conseguir, será a salvação para
o Brasil, que não logrou adotar sozinho política de câmbio capaz de proteger a competitividade até em setores em que gozamos de insuperáveis
vantagens comparativas. Um cenário justo para o câmbio mundial seria um meio poderoso para evitar
que nosso mercado interno seja arrasado pela competição predatória
asiática e nos daria condições para
concorrer com os asiáticos em exportações industriais para os mercados desenvolvidos.
Em resumo, o ajuste não terá de
ser necessariamente negativo desde
que gradual e com soluções às atuais
distorções, sobretudo cambiais. A
recente onda de volatilidade tem o
mérito de revelar o perigo de depender em excesso do mercado externo
para crescer anemicamente, graças
à demanda internacional. Em épocas de incerteza, é mais importante
do que nunca criar condições para
crescimento equilibrado, isto é, baseado não só nas exportações mas
puxado igualmente pela demanda
interna. Para tanto, é indispensável
que os dois preços fundamentais da
economia -o juro e o câmbio- não
continuem como agora, em relação
perversa um com o outro, mas que
sejam capazes de contribuir para a
competitividade da indústria e da
agroindústria brasileiras.
RUBENS RICUPERO, 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo,
foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da
Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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