São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALBERT FISHLOW

Milagres acontecem


O milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha ajudará a dar a Obama o período de experiência que ele merece


OS EUA venceram a Espanha na quarta pela Copa das Confederações. Foi um verdadeiro milagre. Eventos como esse raramente ocorrem duas vezes seguidas. Assim, é provável que o Brasil vença hoje, repetindo a vitória anterior sobre os EUA. Há uma lição nisso. Todo mundo se preocupa com as questões importantes do momento.
Há diversas delas: como melhor responder às circunstâncias políticas iranianas, que se tornaram subitamente incertas; como administrar o problemático sistema financeiro internacional; como garantir uma recuperação sustentável da Grande Recessão; e há diversas outras que se poderia mencionar. Basta acompanhar as notícias na internet. Há momentos em que simplesmente depositamos nossas esperanças em um milagre, em lugar de empreender a difícil tarefa de procurar soluções adequadas para problemas futuros quase inevitáveis.
As mudanças demográficas são uma dessas questões. A população mundial com idade superior a 65 anos deve triplicar até 2050, o que a conduzirá a 17% do total. Um recente relatório da União Europeia demonstra que o envelhecimento futuro provavelmente custará 5% do PIB até 2060, e possivelmente ainda mais caso os índices de crescimento não se recuperem. E essa é apenas a média. Alguns países, aqueles que ainda não ajustaram seus sistemas de aposentadoria a uma redução na fertilidade e a expectativas de vida mais longas, podem enfrentar consequências muito mais graves.
Essa é uma questão bastante relevante para o Brasil. O aumento em sua população com idade superior a 65 anos deve continuar, dobrando-a até 2050 e elevando sua proporção a 18% do total de habitantes. Ao mesmo tempo, a despeito de duas emendas constitucionais recentes e de alterações na legislação causadas por elas, a porcentagem da receita dedicada às aposentadorias públicas já está em cerca de 12% do PIB. Ela vai continuar a se expandir, e o déficit, controlado no momento, começará a crescer no futuro. Quanto mais longa a espera, maior precisará ser a futura elevação dos tributos, ou a redução nos benefícios recebidos.
A mesma realidade infortunada se aplica aos EUA. Fomos capazes de ignorar por bastante tempo o desequilíbrio em nosso sistema de previdência social, condicionado a desembolsar apenas os valores contribuídos. Talvez, nesse caso, exista uma desculpa legítima.
O foco agora é identificar maneiras de avançar em direção a um sistema universal de saúde que ofereça uma alternativa pública competitiva de cobertura. Os custos de saúde já excedem o total da poupança nacional, antes mesmo que os norte-americanos da geração "baby boom" (nascidos entre 1946 e 1964) comecem a se aposentar. Os dispêndios representam proporção muito superior à média internacional em termos de receita nacional, mesmo que as nossas estatísticas de saúde sejam incapazes de acompanhar os ganhos realizados em outros lugares.
Não se pode fazer tudo, ou ao menos essa costumava ser a opinião dominante. O presidente Obama, tendo em mente a diversidade de sua base eleitoral, decidiu encarar uma gama muito mais ampla de questões sociais do que qualquer outro presidente recente. Ao mesmo tempo, em larga medida não vem ignorando os grandes problemas internacionais e econômicos que herdou.
A situação é urgente. O público se torna impaciente quando não encontra resultados finais imediatos. Talvez o milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha ajude a conceder a Obama o período de experiência mais longo que ele merece.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

afishlow@uol.com.br


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Queixas contra Telefônica crescem 84%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.