São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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EM TRANSE

Créditos de mais de um ano para exportações caem a zero; empresas só rolam 22% da dívida externa, contra 96% em 2001

Falta de crédito começa a asfixiar o Brasil

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A economia brasileira começa a sofrer de asfixia de dólares. Tornam-se raros os créditos para quem quer exportar, uma crise inédita. As linhas disponíveis a empresas brasileiras caíram de US$ 10,8 bilhões para US$ 5,7 bilhões em quatro meses, segundo dados do Banco Central e do BIS (Banco para Compensações Internacionais). Somente em junho, a redução do crédito ao país caiu 30%. Na última semana, a percepção em Wall Street era a de que o crédito privado havia se fechado completamente.
Os exportadores não encontram mais financiamentos de mais de um ano. O que economistas chamam de "credit crunch" -contração violenta e generalizada do crédito de bancos- deixou de ser um risco distante.
Essa constatação foi feita pelo analista Paulo Vieira da Cunha (do Lehman Brothers, nos EUA) e pelos economistas Delfim Netto, Francisco Petros (presidente da Associação Brasileira dos Analistas de Mercados de Capitais) e Nathan Blanche, da Tendências Consultoria Integrada.
"Isso nunca ocorreu antes", disse Delfim, referindo-se à dificuldade do exportador. "Empresas têm dificuldades para obter ACCs (Adiantamentos de Contrato de Câmbio, empréstimos vinculados à exportação) de R$ 200 mil."
As restrições nem de longe se limitam ao crédito para a exportação. Em julho, as empresas têm conseguido renovar apenas 22% da sua dívida externa. Até maio deste ano, em média, as companhias nacionais conseguiam rolar 58% dos empréstimos. No ano passado, mais de 96%.
O investimento direto estrangeiro cai desde maio. As remessas pelas contas CC-5, de não-residentes no país, aumentam (na verdade, tais contas são um instrumento simples de remeter recursos para o exterior).
"Esperávamos que o mercado pioraria neste período do ano, devido à proximidade das eleições presidenciais. Mas a situação para os exportadores está muito mais crítica que o previsto", afirma o diretor da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.
Com menos dólares, é reforçado o círculo vicioso que atormenta as empresas endividadas no exterior e tem provocado pânico nos mercados financeiros. O real se desvaloriza pela escassez da moeda americana e ainda é puxado para baixo pela alta do risco-país (quanto maior o risco, menor a probabilidade de investimentos no Brasil, pois esse índice reflete a taxa de juros que investidores internacionais exigem para colocar dinheiro na economia brasileira).
Tal crise é inflada pela baixa perspectiva de crescimento do país, emperrado pelos juros altos, pela decorrente baixa na capacidade do governo de pagar suas dívidas, pela crise global de desconfiança e pela incerteza política gerada pela campanha eleitoral.

Desconfiança global

Como os números oficiais (do BIS) não diferenciam linhas de crédito comercial de linhas com outras destinações, analistas têm dificuldades para identificar os setores da economia brasileira mais atingidos pela contração.
No entanto, são claros os sinais de que, pela primeira vez na história, o Brasil enfrenta uma crise que ameaça também as linhas de crédito aos exportadores, normalmente beneficiados em períodos de desvalorização cambial.
Segundo Vieira da Cunha, algumas companhias brasileiras decidiram pagar o que devem e cancelaram seus financiamentos devido aos custos do refinanciamento. Outras foram vítimas da redução das exposições de bancos americanos. Entre amortizações "espontâneas" e forçadas, o setor privado quitou US$ 5,08 bilhões de seus títulos de curto e longo prazos nos últimos quatro meses.


Pouco, ruim e caro

Segundo a AEB, conseguir crédito para exportação por um prazo acima de um ano é quase impossível. Financiamento de 180 dias a um ano, apenas para empresas consideradas de primeira linha. Nas operações de ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio, uma das principais modalidades de financiamento à exportação), é difícil conseguir um contrato que vença no próximo ano, quando um novo governo terá assumido o comando do país.
"Para uma empresa de médio porte ou sem tradição, conseguir um financiamento acima de US$ 100 mil, US$ 150 mil se tornou uma batalha. O maior problema hoje não são nem os juros mais altos, mas sim a falta de recursos disponíveis", diz Castro.
O presidente da Abracex (Associação Brasileira de Comércio Exterior), Roberto Segatto, afirma que empresas que não são consideradas de primeira linha estão tendo de pagar taxas em torno de 10% e 12% ao ano em operações de financiamento de 90 dias.
"No primeiro trimestre do ano, as taxas com que as instituições financeiras trabalhavam nas mesmas operações eram pelo menos a metade disso", diz Segatto.
Para os exportadores, restam as linhas de financiamento oficiais, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do BB (Banco do Brasil). "No início do ano, o BNDES anunciou que destinaria cerca de R$ 7 bilhões ao setor exportador. O BB teria outros R$ 2 bilhões. Mas isso ainda é muito pouco, principalmente com as grandes dificuldades que os exportadores estão encontrando quando buscam crédito nas entidades privadas", reclama Segatto.
O economista-chefe do banco BBV, Octávio de Barros, diz que a entidade está com um volume menor de ACCs para oferecer aos clientes. Em um cenário desses, explica, as empresas mais tradicionais são as que têm preferência na hora de fechar as operações.


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