São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Crise financeira mundial só acaba após deflação de ativos

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

B astou um trimestre para que o cenário de recuperação econômica dos EUA virasse pó. As atenções estão voltadas para os escândalos contábeis, mas a origem da crise é outra: não há mais fontes de crescimento para a economia mundial e a riqueza financeira criada nos últimos anos precisa agora ser desvalorizada.
Entre os economistas, a eufórica valorização dos últimos anos tem um nome: inflação de ativos. O Fed (banco central dos EUA), como outros bancos centrais, sempre deu mais atenção à inflação normal (alta de preços de bens e serviços).
Banqueiros centrais gostam de combater a inflação, mesmo que isso exija a elevação de juros, a redução do crescimento e o aumento do desemprego. Mas ficam menos à vontade para combater a inflação de ativos (alta nos mercados de ações, por exemplo). Afinal, a ciranda beneficia a elite financeira.
Apesar das democracias, é mais fácil desempregar um trabalhador que desiludir um especulador. Mas, no caso dos EUA, é mais difícil identificar a fronteira, pois a ampla classe média destina boa parte de sua poupança ao mercado de ações.
O fim dos ciclos de inflação de ativos (conhecidos como "bolhas especulativas") geralmente assume a forma de colapsos espetaculares, como uma implosão da riqueza. Foi assim no Japão. É o que se vê agora nos EUA. O momento em que a bolha estoura coincide com o desaquecimento da economia, a retração dos investimentos e o enxugamento de praticamente todas as formas de crédito.
A frustração atual parece ainda maior porque há um trimestre muita gente ainda apostava na recuperação da economia dos EUA. Havia sinais de vigor no consumo e na produção.
A reação militarista aos ataques terroristas inspirava até a hipótese de que o Estado voltaria a tirar a economia da recessão, com base nas encomendas do complexo industrial-militar e mesmo na convocação de reservistas. Na prática, o que ocorreu no início do ano foi um aquecimento condicionado pelos ciclos de estoques, fenômeno de curto prazo.
Estoques baixos levam a reações rápidas das empresas, que aumentam seus níveis de produção e contratam mais diante até mesmo de pequenos aumentos de renda e demanda por seus produtos. Mas esse é um tipo de crescimento de curto prazo. É insuficiente como contrapeso à implosão da riqueza fictícia.
O crescimento de longo prazo depende da recuperação dos investimentos. Mas eles só voltam quando há crédito e confiança nos mercados de capitais.
Ainda não há sinais de que a economia norte-americana esteja em condições de passar rapidamente de surtos de crescimento de curto prazo para uma recuperação dos investimentos.
Essa passagem será possível apenas depois que terminar a deflação de ativos (desvalorização de patrimônios e contração dos fluxos de crédito). Mas ninguém sabe quanto terminará essa queima de capital nem de onde virá o estímulo ou a confiança numa nova e longa fase de crescimento.
No início do ano, poucos se atreviam a imaginar que a economia dos EUA pudesse voltar a mergulhar num ciclo recessivo (esta coluna deu o alerta em março). Agora, volta com mais força o cenário conhecido como "double dip" (duplo mergulho). Para os mais céticos, o destino pode ser uma longa depressão. Comparações entre EUA e Japão também são mais frequentes na imprensa especializada. A rigor, muitos mergulhos são possíveis enquanto a inflação de ativos não estiver superada.


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