São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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"OPERAÇÃO BONECA"

Empresas compram produtos da China e informam que procedência é do Uruguai, que oferece vantagens fiscais

Importação subfaturada de brinquedo é alvo da Receita

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES

DA REPORTAGEM LOCAL

As fraudes na importação de brinquedos, que envolvem o subfaturamento de preços, a pirataria e até operações irregulares para "esquentar" notas no Uruguai preocupam empresários da indústria e do comércio. Fabricantes já pedem à Polícia e à Receita Federal uma "Operação Boneca" -em alusão a ações realizadas por auditores e policiais para combater a sonegação fiscal.
Levantamento da Abrinq (associação da indústria de brinquedos), a partir de dados do Ministério da Fazenda, mostra que, de janeiro a julho deste ano, foram abertos 218 processos envolvendo 93 empresas por problemas na importação. A Wal-Mart Brasil Ltda. e a Cotia Trading S.A. estão nessa lista, apurou a Folha.
"O setor vive um momento de bandalheira geral. Esses 218 processos abertos pela Receita se referem a importações que passaram pelo canal vermelho da fiscalização. E o que entra pelo canal verde [em média 85% das importações] e nunca é fiscalizado?", questiona Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq.
A cotação internacional do quilo de brinquedo é, em média, de US$ 10. Mas os produtos entram no Brasil por US$ 2,90 o quilo, segundo Batista da Costa.
A Receita diz que o setor é "complicado" e que vai apertar a fiscalização a partir de setembro -às vésperas do Dia da Criança. Ronaldo Lázaro Medina, coordenador-geral de administração aduaneira da Receita, diz que o subfaturamento de preços, a pirataria e a importação de "quinquilharias" são os principais problemas enfrentados nesse setor.
"Há casos em que o subfaturamento chega à proporção de um para dez do valor da mercadoria. Se o brinquedo custa US$ 10 o quilo, entra no país por apenas US$ 1", afirma Medina.

Testes
Para tornar a vigilância mais eficiente, os fiscais vão encaminhar brinquedos apreendidos para testes em laboratórios. Vão verificar se o produto importado é o que está descrito nas notas fiscais. "Estamos preparando novos procedimentos de fiscalização. Em caso de suspeita, vamos fazer o teste de qualidade do produto."
A Receita apreendeu de janeiro a julho R$ 3,425 milhões em brinquedos trazidos aos portos brasileiros de forma fraudulenta. Os fabricantes estimam que esse valor represente 10% das importações irregulares feitas no Brasil.
Só no porto de Santos foram apreendidos 18 mil quilos de brinquedos, no valor de R$ 136 mil, de janeiro a julho. No ano passado todo, foram nove apreensões de 7.839 quilos de brinquedos, no valor de R$ 80 mil.
Na última terça-feira, a Fera (Força Especial de Repressão Aduaneira) encontrou mais de 100 mil itens pirateados na alfândega do porto de Santos. Entre as falsificações, estavam brinquedos das marcas Hello Kitty, KeroKero e Power Rangers. Os produtos de origem chinesa vinham dos EUA.
"O comércio de brinquedos ilegal está fora de controle no país. Basta olhar o que está à venda nas esquinas de São Paulo", diz Ricardo Sayon, diretor comercial da Ri Happy, rede com 73 lojas. "Minha teoria é que essa situação só se resolve com uma campanha de educação pública para coibir a compra de produtos piratas, sem selo de qualidade e subfaturados."
O empresário defende a importação regular -com o recolhimento de impostos e o pagamento de royalties- como forma de manter o mercado atualizado. "Não fabricamos no Brasil carro de controle remoto, nem olho, nem cabelo de boneca. Esses produtos precisam ser importados."

Notas "quentes"
Para subfaturar a importação de brinquedos, as empresas compram os produtos na China, mas informam, nas notas fiscais, que os brinquedos vieram do Uruguai, país que oferece vantagens fiscais no comércio exterior.
Exemplo: o importador compra de um fabricante chinês a mercadoria por US$ 100. O produto é enviado ao Brasil, mas as notas vão para uma trading uruguaia.
Ao mesmo tempo, o importador brasileiro declara à Receita que a compra foi feita por US$ 30, como confirmam as notas que chegam do país vizinho.
"É uma operação ilícita porque só ocorre no papel para esquentar as notas fiscais. Há sites especializados que ensinam a fazer essas operações", diz Batista da Costa. Na estimativa da Abrinq, 40% dos 260 importadores que trouxeram brinquedos ao país em 2004 fizeram compras via Uruguai. "Prestei depoimento à PF para detalhar como funciona esse esquema."
A Receita diz que a prática de subfaturamento envolve, principalmente, empresas de pequeno e médio portes e "laranjas".


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