São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SISTEMA FINANCEIRO

Bancos chineses têm débitos maiores, em comparação ao tamanho da economia, que os do Japão

Problema de crédito abala economia chinesa

Kin Cheung/Reuters
Caminhões enfileirados em terreno em Hong Kong; duas recessões em quatro anos levaram o desemprego na região a alcançar 6,8 milhões de pessoas, nível recorde


DO "NEW YORK TIMES"

Com uma das economias que mais crescem no mundo, a China parece ter superado o movimento em direção ao capitalismo com surpreendente velocidade. Mas seu setor financeiro ainda batalha para lidar com as perdas oriundas de décadas de regime socialista.
Por anos a fio, as decisões bancárias na China dependeram não apenas da análise de crédito, mas também das ligações pessoais dos credores com membros do governo -e até mesmo de propina oferecida a funcionários públicos.
Os bancos chineses emprestaram centenas de bilhões de dólares (em yuan, a moeda local) para empresas com problemas, geralmente estatais, que depois não pagaram as dívidas contraídas.
O governo chinês deu o primeiro passo para começar a arrumar a bagunça em 1999, criando quatro bancos de gerenciamento de recursos -baseados em modelo americano- para assumir US$ 170 bilhões em créditos podres que circulam pelo país. Os bancos focalizaram sua atuação em recuperar empréstimos cujos pagamentos haviam sido interrompidos desde 1995 -ou antes disso.
Mas essa arrumação está provando ser menos ambiciosa do que prometia e está muito longe de seus objetivo de ajudar a China a avançar para uma economia de livre mercado. Muitos dos empréstimos, em vez de serem pagos em dinheiro vivo, foram convertidos em ações de empresas quebradas, permitindo até mesmo que as companhias mais ineficientes permanecessem na ativa.


Por anos, as decisões bancárias na China dependeram das ligações dos credores com membros do governo


E os bancos criados para gerenciar créditos podres foram forçados a competir contra bancos 100% estatais, com benefícios governamentais, que mantém a política de emprestar dinheiro público a empresas ineficientes.
O problema do crédito está no centro de um dos principais dilemas econômicos da China atual: o sistema financeiro geralmente falha como canal eficiente em transferir recursos dos poupadores para investimentos produtivos. O resultado é que os escassos capitais de investimentos e outros recursos permanecem atados indefinidamente em negócios improdutivos -geradores de bens de consumo que chegam a custar, na venda, menos do que a matéria-prima utilizada na produção.
Zhu Rongji, primeiro-ministro da China e um dos principais defensores da reforma financeira no país, sempre apoiou a execução de empréstimos não-pagos com leis severas. Mas ele deve se aposentar em breve. Analistas chineses dizem que a continuidade da implementação das reformas dependerá do comprometimento de novos líderes em levar a China ao clube de países confiáveis.
Fred Hu, economista da Goldman Sachs e que está informalmente auxiliando a China, disse que o contínuo atraso em enfrentar o problema de créditos podres pode custar aos chineses um ou dois pontos percentuais a menos na taxa de crescimento do país nos próximos anos.
"O progresso tem sido muito, muito lento. O processo demorou muito para começar e já perdeu diversas oportunidades."
Um grande problema é que os bancos foram tão relapsos em ceder créditos que os efeitos colaterais não foram propriamente registrados, nem títulos de propriedade, checados. Isso torna quase impossível levar os inadimplentes à Justiça. Um dos envolvidos na tentativa de resgatar o dinheiro que não fora pago disse que, em 70% dos casos, os documentos tinham enormes defeitos.
Outra grande trava é que muitas empresas pertencentes ao Estado ocupam áreas que agora valem ouro. Mas essas indústrias, muitas das quais são improdutivas desde os anos 50, relutam em sair de seus espaços, dando local a novos e mais valiosos prédios, como escritórios de primeira classe ou shoppings. Os terrenos, que poderiam gerar lucro ao Estado, acabam depreciados. O resultado é que os títulos dos empréstimos concedidos pelo governo já não valem mais quase nada.

Disparada
A economia chinesa cresce 8% ao ano, em média, o ritmo mais acelerado entre as grandes economias mundiais. Mas os governantes estão alertas para o fato de que a expansão pode não ser sustentável -e pode diminuir em breve.
Além disso, muito do crescimento chinês pode ser atribuído aos US$ 350 bilhões em investimento direto estrangeiro na última década, que tem largamente financiado os investimentos. Em contraste, o sistema bancário chinês tem débitos que são maiores -em comparação ao tamanho da economia- que os do Japão, país que sofre há mais de uma década com problema de crédito e inadimplência bancária.
O problema da dívida -e os esforços duvidosos da China para enfrentá-lo- pode ser visto melhor na Província de Guangdong. A Província é uma das principais peças econômicas da máquina chinesa, responsável por dois quintos das exportações. Tem também uma das principais taxas de empréstimos não-pagos do país, um legado da onda especulativa do meio dos anos 90 e da cultura local, em que banqueiros emprestavam dinheiro a amigos em troca de presentes.

Riscos
Pesquisadores alertam que a China pode estar colocando em perigo a frágil saúde de seu banco central ao transferir para ele os custos das operações de crédito de país. A exposição do BC local "representa um risco nada pequeno para a instituição e para o seu aperfeiçoamento", diz uma análise sobre a situação chinesa, comentando que, se a operação do governo para tentar reaver empréstimos concedidos e nunca pagos falhar, os investimentos que entram na China podem sumir.
O governo chinês minimiza essas advertências. Na China, como em qualquer outro país com problemas em seu endividamento interno, a conta do prejuízo pode ser assumida pelo Tesouro e pelos cofres locais. Em última instância, será cobertada pelos impostos arrecadados, em vez de ser usado dinheiro externo ou do BC.
Bancos ocidentais querem ajudar a resolver esse problema -e conseguir algum lucro ao mesmo tempo. Michael Berchtold, presidente das operações da Ásia e Pacífico do Morgan Stanley, diz que seu banco entendeu quais os riscos de assumir endividamento na China. Dois consórcios liderados pelo Morgan e pela Goldman Sachs estão agora no estágio final de compra de alguns dos créditos duvidosos, de US$ 1,4 bilhão.


O sistema financeiro falha ao tentar transferir recursos dos poupadores para investimentos produtivos


Em muitos casos, vê o banco, seria possível assumir uma dívida, negociando com o credor a depreciação do valor total do empréstimo. Se uma companhia ocidental, por exemplo, se dispuser a comprar uma dívida pagando US$ 0,08 para cada dólar emprestado, assumindo o endividamento, e conseguir recuperar US$ 0,15 por dólar, terá obtido um lucro significativo. O credor se beneficia por ganhar algo por um empréstimo tido como perdido. O antigo devedor limpa o nome e pode melhorar o seu balanço, diminuindo sua ineficiência.
Os bancos internacionais também descobriram que precisam ter mais experiência e flexibilidade para lidar com operações de crédito. O desafio agora é não passar um sinal de que não pagar a dívida pode ser vantajoso para conseguir, no futuro, negociações como essas de agora.


Texto Anterior: Vizinho em crise: Missão argentina vai aos EUA negociar com o FMI
Próximo Texto: América Latina: Prejuízos de chilenos no Brasil e Argentina atingem US$ 340 mi
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.