São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Brasil 2007-10

Na segunda, a atenção passa do programa dos candidatos para o de governo. No lugar de promessas, providências

GRANDES DISTÂNCIAS separam o programa de um candidato, de um governante e o que acontece de fato durante seu mandato. Os temas da campanha presidencial não empolgaram. A menos de 24 horas da decisão do segundo turno, há quem esteja mais preocupado com a polêmica sobre se o pãozinho deve ser vendido por peso ou por unidade do que em saber o que vai acontecer no país. Mas o economista, assim como o vidente, não pode fugir da bola de cristal.
O programa de um candidato não costuma ajudar muito nas previsões do futuro. As propostas tendem a ser genéricas o suficiente para não assustar grupos específicos. Lembre-se da campanha de Mário Vargas Llosa no Peru em 1990, que explicitou a dimensão do ajuste que seria necessário para a economia peruana. Para o bem da literatura, o escritor foi derrotado pela plataforma populista do então candidato Alberto Fujimori. Uma vez no poder, esse último implementou ajustes ainda mais radicais do que os originalmente propostos por Vargas Llosa.
Assim, temas cruciais para a competitividade das economias latino-americanas se tornam assuntos proibidos durante as campanhas eleitorais. O que fazer em países nos quais as economias clandestinas representam cerca de 40% do PIB, como no Brasil, ou até quase 60% do PIB, como no caso do Peru, não faz parte do cardápio dos debates eleitorais. A política é uma menina má. E a ficção é mais poderosa do que a economia.
Além disso, o debate eleitoral neste segundo turno foi marcado pela falsa polêmica da privatização. Não havia uma proposta concreta de privatizar essa ou aquela empresa. Apenas uma acusação de que o candidato da oposição privatizaria os grandes ícones estatais.
Algo fora da agenda real, mas que virou o centro da discussão e foi eficaz eleitoralmente. Enquanto isso, outros temas foram esquecidos como o projeto de fortalecimento das agências reguladoras que continua parado no Congresso.
A partir de segunda-feira, a atenção passará dos programas dos candidatos para o possível programa de governo. Eliminam-se os recursos de sedução. Não há mais promessas. Apenas providências a serem tomadas e limitações orçamentárias a serem enfrentadas.
A verdade é que não há script detalhado. Não parece razoável esperar grandes mudanças. Mas uma coisa é certa: uma guinada na política econômica, uma trajetória como de Chávez na Venezuela, parece completamente fora do horizonte. Lula não tem DNA tenentista.
Preservados o conservadorismo na política macro e o distributivismo assistencialista na política social, as circunstâncias vão ditar o rumo da política econômica. Os excessos de gastos e as dificuldades de segmentos específicos do agronegócio estão a exigir medidas urgentes. Mas não há apetite por parte do Executivo por mudanças profundas nem condições de formação de ampla coalizão política no Congresso nessa direção.
Seria difícil imaginar, portanto, como haveria uma elevação da taxa de investimento em cerca de quatro pontos percentuais do PIB como prevista pelo ministro da Fazenda. Isso não quer dizer que o processo de modernização institucional será paralisado. Isso nunca ocorreu independentemente do governo. Lembre-se de que nos últimos quatro anos foi editada uma nova legislação de falências e aprovada a reforma do Judiciário. Apenas significa que continuará baixa a velocidade das mudanças necessárias para ampliar a infra-estrutura e melhorar as condições de investimento.
Depois das festas de final de ano, as atenções vão migrar novamente; desta vez da montagem do novo governo para o desenrolar do segundo mandato. Aí ocorrerá novo choque de realidade. Os resultados dependerão da situação da economia mundial. Tudo indica que o ambiente externo não será tão favorável quanto nos últimos quatro anos. Tampouco parece haver um choque externo no horizonte. Profissão de vidente não é fácil.
Jucelino Nóbrega da Luz que o diga. Os economistas são mais cautelosos; preferem trabalhar com probabilidades. A combinação de ausência de choque externo e continuidade da política econômica parece o cenário mais provável para 2007-10.


GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br


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