São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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ARTIGO

O mundo já assimilou a lição das crises?

O motivo para que possamos confiar em que não haverá desastre financeiro é que os BCs e os Tesouros têm os poderes e o conhecimento necessários para limitar futuros danos

PAUL SAMUELSON

É TEMPORADA de furacões no golfo do México. Até agora, não houve um Katrina. Mas será que podemos dizer que o pior já passou? Não. Ainda não. E o mesmo se aplica ao pânico mundial, que surgiu no trimestre passado devido ao estouro da bolha da habitação que se desenvolveu entre 2002 e 2006. Desta vez, os problemas começaram nos EUA. Mas hoje em dia a globalização e os novos instrumentos alavancados de captação transmitem a podridão de qualquer parte ao restante do mundo -e à velocidade da luz. Isso torna a situação minha responsabilidade? Não. Mas hoje, talvez em escala nunca vista no passado, caso a Long-Term Credit Management [fundo de hedge que praticamente quebrou na crise da Rússia, em 1998] comece a oscilar à beira do abismo da bancarrota, bancos e administradores de fundos de Seul a Zurique e Hong Kong podem se surpreender ao experimentar perdas de talvez 50% em seu patrimônio líquido. Pânicos financeiros costumam ocorrer, periodicamente, há centenas de anos: as bolhas da companhia dos mares do Sul; o chamado Pânico dos Ricos, em 1907; o crash de Wall Street em 1929; a "Segunda-Feira Negra", em 19 de outubro de 1987, quando as ações em Nova York caíram em 22,6%, um recorde que não teve precedentes nem mesmo em 1929 e ainda não foi superado. E depois? Os mercados se recuperam, mais cedo ou mais tarde. As expectativas de vida subiram muito, do século 18 para cá. Os salários relacionados à produtividade real subiram secularmente na América do Norte e na Europa Ocidental. Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu crescimento miraculoso no Japão e em outras partes da bacia do Pacífico. Ciclos de negócios continuam a ocorrer periodicamente. Mas, empregando as lições aprendidas com a Grande Depressão entre 1929 e 1937, os bancos centrais e as agências fiscais do governo aprenderam com a ciência econômica universitária a domar a amplitude das oscilações no desemprego e na inflação de preços. Será que o capitalismo laissez-faire puro aprendeu, de fato, a se curar sozinho? Libertários como Milton Friedman e Friedrich Hayek gostavam de acreditar que isso era possível. Mas a sóbria realidade da história econômica confirmou, em minha opinião, que é necessário que os programas fiscais e de crédito se desenvolvam com sucesso para além das expansões e contrações do capitalismo. Sem interferência, o capitalismo ao modo anterior a 1929 gerará bolhas de alta e de baixa, estagflação e armadilhas de liquidez que se auto-alimentarão. (Os manuais de economia universitários para principiantes publicados antes de 1939 nem mesmo incluíam essa conversa toda.) Há dois meses, escrevi que o Fed (o BC dos EUA) e o Banco da Inglaterra (o BC britânico) teriam de agir para resolver a crise fomentada pela execução generalizada de hipotecas e pelas quase falências devido ao estouro das bolhas imobiliárias em San Francisco, na Flórida, em Boston, em Los Angeles... Mas meus conselhos foram ignorados. William Poole, presidente do Fed de St. Louis, advertiu contra o resgate a devedores ou credores insensatos. Mervyn King, presidente do BC britânico, proclamou mensagem semelhante: o resgate aos investidores insensatos só faria por aumentar o "risco moral" no futuro. Os tolos audaciosos se tornarão ainda mais audazes caso outros venham a arcar com o fardo de suas tolices. Não considero incorretos esses argumentos. Mas o problema é que surgiram em momentos inoportunos e acarretavam sérios riscos sociais. Como já foi repetido muitas vezes, quando Roma está queimando, a hora não é propícia para ensinar o povo a usar fósforos. Aquilo que a sociedade ganharia com a prevenção de futura insensatez empalidece diante de tudo que ela perderia quando pessoas, tanto inocentes como sábias, saírem feridas da avalanche financeira que vem se agravando. Considerem o caso dos sóbrios depositantes do banco Northern Rock, no Reino Unido. Eles haviam prudentemente economizado dinheiro para suas futuras aposentadorias. Será que King se distraiu e esqueceu que falta aos bancos britânicos a garantia governamental aos depósitos bancários que se aplica universalmente nos Estados Unidos? Um homem com a minha idade poderia ter contado a ele como era a vida nos EUA entre 1925 e 1933. Muito antes do crash da Bolsa de 1929, no Meio-Oeste, onde eu vivia, qualquer queda nos preços dos produtos agrícolas levava centenas de correntistas preocupados a formar filas diante dos bancos, na esperança de sacar seu dinheiro antes que as reservas bancárias se esgotassem. Será que devemos classificar todas essas pessoas como ansiosas? Não. Ocupar o primeiro lugar da fila era uma solução racional para proteger as economias de toda uma vida. Mas é preciso reparar que, sempre que um banco fraco atraía longas filas de depositantes frenéticos por um saque, os bancos mais fortes instalados na mesma avenida logo desenvolviam filas próprias. E o que causou os problemas de todos esses bancos fortes? Como deve ter aprendido King em Oxford, Cambridge ou Harvard, todos os bancos dispõem de reservas líquidas equivalentes a apenas uma fração de seus ativos. E eles não eram capazes, em curto prazo, de liquidar os bons empréstimos que eram responsáveis pela criação de seus únicos lucros líquidos. A moral da história é clara. Sim, os BCs deveriam ter sempre em mente as metas inflacionárias, com o objetivo de conter os aumentos de preços na faixa de 1% a 2% ao ano. Mas o motivo para que os bancos centrais tenham sido criados -por Darwin ou quem quer que fosse- é que servissem como "emprestadores de último recurso". Talvez os economistas mais jovens tenham esquecido os escritos de Charles Kindleberger, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Kindleberger trabalhou no Fed de Nova York e no de Washington. Na Segunda Guerra Mundial, se alistou e foi agente de inteligência no perigoso Escritório de Serviços Estratégicos. Seus antepassados foram almirantes na Marinha norte-americana. Por fim, Kindleberger foi parte da equipe que desenvolveu, para o secretário de Estado George Marshall, em uma sala dos fundos do Departamento de Estado, o muito bem-sucedido Plano Marshall, que entre 1949 e 1953 ajudou a reanimar as devastadas economias européias e evoluiu posteriormente na forma do Mercado Comum Europeu. O livro de Kindleberger sobre pânicos históricos e os deveres dos bancos centrais merece muita atenção. Ele nos lembra de que a razão de ser dos BCs é, acima de tudo, seu dever de que sirvam responsavelmente como "emprestadores de último recurso". Não estou aqui discorrendo sobre antiquadas bobagens acadêmicas. Em lugar disso, o motivo para que possamos confiar em que não haverá desastre financeiro completo para o mundo ou os Estados Unidos é que os bancos centrais e os Tesouros governamentais modernos têm os poderes e o conhecimento necessários para limitar futuros danos. O que ainda não podemos saber com certeza é a extensão do trabalho de limpeza que eles terão de executar.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

Este artigo foi escrito originalmente para o Tribune Media Services


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