São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Lenha na fogueira


No atual contexto, a MP pode ser importante para apagar fogueiras que surjam e formem grandes incêndios

JÁ NÃO HÁ dúvidas de que o enfrentamento da atual crise internacional exige o uso de armas de grosso calibre. E chegou a hora de colocar de lado as disputas partidárias ou ideológicas.
Somos todos -a maioria, pelo menos- a favor da livre iniciativa e da privatização da economia. Mas isso não nos autoriza a defender atitudes irresponsáveis. Titubear diante de uma convulsão financeira global de tamanha proporção é um desatino. Quando até o Reino Unido estatiza bancos, não é hora de brincar de neoliberalismo.
Em condições normais, seria natural contestar a medida provisória da semana passada, que deu ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal poderes para comprar, sem licitação, bancos e empresas em dificuldades. No atual contexto, porém, esse instrumento pode ser importante para apagar fogueiras que venham a surgir aqui e ali com potencial para provocar grande incêndio.
É confortável saber que eventuais desajustes no sistema financeiro, provocados pela falta de liquidez que assola o mercado, podem ser debelados pela ação do Banco do Brasil. Mais ainda, é bom ter a garantia de que a Caixa poderá socorrer construtoras. Esse setor, como se sabe, é grande gerador de empregos e estratégico para manter a atividade econômica aquecida.
A reprivatização de negócios que venham a ser estatizados, obviamente, deve estar no horizonte. Mas essa discussão deve ficar para depois, para quando a crise amainar e o mercado se acalmar.
Vale lembrar que a frase "agora somos todos keynesianos" não é de nenhum heterodoxo irresponsável, e sim do hiperconservador e monetarista Milton Friedman. Ele disse isso em 1965, e sua citação foi repetida pelo então presidente dos EUA, Richard Nixon, em 1971. Em ambos os momentos, a intervenção do Estado se mostrava indispensável para estimular a atividade econômica e manter empregos.
Nos países pobres, a intervenção do setor público já é recomendável em momentos de expansão, para incentivar setores básicos e estratégicos ao desenvolvimento e para garantir investimentos que a iniciativa privada nem sempre está disposta ou apta a fazer. Em épocas de contração, essa iniciativa do Estado passa a ser fundamental. A China, por exemplo, acaba de lançar um pacote de investimentos em ferrovias de quase US$ 300 bilhões.
É lamentável que a falta de auto-estima às vezes nos impeça de enxergar que o Brasil está mais preparado do que nunca para enfrentar a crise. Temos problemas, é claro, como a exposição de algumas empresas em operações com derivativos cambiais, que geraram prejuízos elevados. Essas perdas não representam ainda um risco sistêmico, mas têm de ser resolvidas logo.
A idéia mais recorrente neste momento, diante dos sobressaltos diários do mercado financeiro, é a de que não podemos transformar a crise dos outros em crise nossa. O Brasil tem tudo para emergir como potência mundial no pós-crise. Diferentemente do que ocorreu em crises anteriores, temos petróleo, vasta produção de alimentos, empresas capitalizadas, bancos sólidos e reservas em dólares. Neste momento de incerteza, só precisamos fazer o óbvio: cortar os juros exorbitantes que nunca fizeram sentido, prover liquidez ao mercado, cultivar a austeridade no gasto público corrente e manter os investimentos básicos.
O momento é de coesão e harmonia -não de beligerância ideológica ou partidária. Manter a economia o mais aquecida possível deve ser uma obsessão brasileira durante a travessia desta crise.

BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br



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