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SOCIAIS & CIA.
Terceiro setor deve sofrer forte impacto com a crise
Para sobreviver, empresas apertarão o cinto, e projetos sociais ficarão em segundo plano
Segundo especialistas, crise global será importante teste para avaliar se as empresas manterão a atual onda voltada à sustentabilidade
ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A crise financeira global
acertará em cheio a onda de
sustentabilidade que o mundo
corporativo viu crescer nos últimos anos. Enquanto o financiamento para as organizações
e projetos sociais acusa os primeiros sinais de aperto, em diversas empresas a preocupação
com a área socioambiental começa a ceder espaço para a
preocupação com a própria sobrevivência financeira.
Ainda que ninguém conheça
ao certo a dimensão e os efeitos
da crise sobre a economia real,
especialistas ouvidos pela Folha são unânimes em afirmar
que ela será um importante teste para a continuidade -ou a
interrupção- dessa onda.
Em um primeiro momento,
as estruturas de financiamento
do chamado terceiro setor (representado pelas iniciativas da
sociedade civil com caráter de
utilidade pública) tendem a ser
as mais afetadas devido à crise
internacional.
"Estamos justamente em um
momento de planejamento e,
como o cenário para o próximo
ano ainda é incerto, a tendência
é o setor privado apertar o cinto
no repasse de recursos ao terceiro setor. É um contexto
preocupante para o terceiro setor como um todo e para o investimento social privado em
particular", afirma Fernando
Rossetti, secretário-geral do
Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), entidade
que reúne os principais investidores sociais privados do país.
O aperto financeiro, que em
alguma medida também virá do
setor público, ocorre em um
ambiente em que a competição
por recursos já estava acirrada,
resultado do aumento no número de organizações e das exigências mais rígidas por parte
dos financiadores. E coloca em
xeque a própria sustentabilidade de algumas organizações.
"Sempre que acontecem cortes em orçamentos governamentais, bem como do setor
privado, o terceiro setor e as
áreas sociais são sempre os primeiros a sofrer", diz Cristina
Pimenta, coordenadora-geral
da Abia (Associação Brasileira
Interdisciplinar de Aids).
No Brasil, esse aperto tende a
ser reforçado por uma característica local: a origem dos recursos repassados ao terceiro
setor guarda estreita relação
com os resultados das empresas em cada ano.
"São raros os casos aqui de
fundos patrimoniais. O grosso
dos recursos para o terceiro setor no país está no meio empresarial. Ou seja, dependem da
performance da empresa e são
geralmente votados ano a ano
dentro da estratégia de investimento social de cada uma delas. Isso nos permite prever um
ano pesado para o setor em
2009", afirma Marcos Kisil,
presidente do Idis (Instituto
para o Desenvolvimento do Investimento Social).
Os fundos patrimoniais (que
dão nome às fundações) são geridos de forma independente
da gestão financeira das empresas e, portanto, com menor
dependência de seus resultados. Um provável efeito desse
aperto, segundo os especialistas, é o terceiro setor no país
passar por um movimento de
consolidação, caracterizado
por fusões de algumas organizações, maior número de parcerias estratégicas e, obviamente, pela extinção de outras.
"As organizações que conseguiram diversificar o seu modelo de sustentabilidade, diversificando as fontes de receitas,
são as mais bem preparadas para passar por essa crise. As que
não fizeram isso tendem a ser
mais prejudicadas", afirma
Rossetti, lembrando que esse
movimento já ocorreu em outros países, como os EUA.
Dilema
As empresas também terão
de enfrentar uma situação que
ambientes de recessão econômica costumam ampliar: a necessidade de corte nos gastos e
aumento das receitas. E, para
fazer isso, os instrumentos utilizados nem sempre são condizentes com práticas responsáveis de gestão ambiental ou social, sobretudo se as companhias não os têm devidamente
incorporados. Um exemplo: o
respeito aos direitos trabalhistas num corte de pessoal ou a
manutenção das despesas de
gestão ambiental.
"Não vejo isso como um desastre, como o fim das práticas
de sustentabilidade nas empresas, mas sim como uma ótima
oportunidade para separar o
joio do trigo da questão socioambiental no meio empresarial. De separar quem faz o
investimento social não pensando nos benefícios para a população, para o público, mas
apenas para si próprio, dentro
de uma estratégia exclusiva de
marketing", diz Kisil.
"Depuração"
Para o economista José Eli
da Veiga, professor da USP e
autor de diversos livros relacionados ao assunto, essa depuração positiva pode ser inclusive
extrapolada para as esferas de
governo.
Há, por exemplo, um forte
movimento de economistas
pregando a reconstrução das
bases da economia mundial
dentro de uma visão mais convergente com o conceito da
sustentabilidade. Em outras
palavras, uma reconstrução sobre pilares mais "sustentáveis".
"Ainda é impossível conhecer os efeitos da crise nesse
sentido. Primeiro, porque ainda não dá para ter uma idéia da
profundidade e da extensão
que a recessão, que mal começou em alguns países, poderá
ter. Segundo, porque ainda não
está claro se os círculos dirigentes dos países centrais estão
dispostos a realizar uma espécie de Bretton Woods 2. Terceiro, porque mesmo na hipótese
de que estejam, não se sabe se
darão o devido peso a temas como aquecimento global e segurança energética. Dependendo
(pelo menos) dessas três incógnitas, a onda socioambiental
tanto poderá ser seriamente interrompida como vigorosamente acelerada."
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