São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
No banco dos réus

ALOIZIO MERCADANTE

É fantástico. O Banco Central do Brasil contratou uma empresa de marketing por R$ 15 milhões para "melhorar sua imagem". No mesmo momento, fechou integralmente a fiscalização em todo o Norte e Nordeste e em mais alguns Estados, sob o argumento de que não tem recursos para contratar novos fiscais.
Não temos nada contra fortalecer as atividades centralizadas de supervisão e fiscalização bancária, mas não podemos aceitar o completo desmantelamento da fiscalização em regiões tão vastas e, algumas, marcadas pelas atividades de lavagem de dinheiro do crime organizado e do narcotráfico.
A fiscalização do sistema financeiro é uma grande questão nacional. E, pela primeira vez, o Congresso Nacional, por meio da Câmara dos Deputados, derrotou a liderança do governo e aprovou um projeto de urgência de decreto legislativo que desautoriza a diretoria do Banco Central e o Conselho Monetário Nacional a desestruturarem a fiscalização financeira nas diversas regiões do país.
Essa é uma questão relevante porque no atual governo, entre 1994 e 1999, nada menos que 188 instituições financeiras foram submetidas a regimes especiais pelo BC. Foram quase R$ 100 bilhões no socorro a instituições públicas e privadas!
Esse é um dos custos da omissão das diretorias do Banco Central na fiscalização do sistema financeiro e na previsão de risco. Mais grave é que parte importante desses recursos de socorro foi para financiar a desnacionalização acelerada do sistema financeiro nacional.
Mas não foi só. No ataque especulativo contra o real, deflagrado a partir da crise financeira promovida pela moratória russa, os prejuízos foram ainda maiores.
Nesse episódio, muito mais grave do que a nossa denúncia dos casos Marka e FonteCindam foi o comportamento de grandes bancos internacionais como Chase Manhattan e o grupo J.P. Morgan e Morgan Guaranty Trust, entre outros, que compraram grandes valores em dólar às vésperas da desvalorização e depois dirigiram o ataque especulativo contra o real.
Quando analisamos o "spread" dos bancos, no último estudo do Banco Central, verificamos que o lucro líquido declarado pelos bancos em alguns produtos, como o cheque especial, chega a 53% ao ano! Não há nada comparável em toda a economia internacional.
O lado mais obscuro dessa política monetária está na conta CC-5. A CC-5 (carta-circular nº 5) permitiu a compra de dólares internamente e a remessa para o exterior. Essa permissão data de 1969, mas era de uso muito restrito, basicamente pela diplomacia brasileira. No governo Collor, gestão Marcílio-Armínio Fraga, a carta-circular nº 2.259/ 92 aprofundou o processo de liberalização, permitindo aos bancos estrangeiros manter contas no país por meio das quais podiam comprar dólares no mercado flutuante e remetê-los para o exterior. A ausência de controle por parte do Banco Central fez com que essas contas se transformassem em verdadeiras "barrigas de aluguel", já que os bancos estrangeiros passaram a aceitar depósitos em moeda nacional e remeter dólares para o exterior.
Em abril de 1996, o governo FHC, este mesmo governo que foi agora na Itália pedir controle sobre as finanças internacionais, com a circular nº 2.677/96, ampliou esse mecanismo, dispensando qualquer tipo de comprovação nas transferências para o exterior e legalizando, de fato, o mercado paralelo. Para concluir o processo, nesse mesmo período o Banco Central concedeu autorização especial para as agências bancárias de Foz de Iguaçu receberem depósitos em espécie, sem identificar a origem. Agora, só falta a propalada conversibilidade plena da moeda.
A CPI do Narcotráfico já descobriu a lavagem de R$ 15 milhões na CC-5 e em Foz de Iguaçu, vinculados a um dos esquemas do narcotráfico investigados pelos parlamentares. Ocorre que a CC-5 já remeteu para o exterior cerca de US$ 125 bilhões a partir de 1992, sendo cerca de US$ 70 bilhões recursos de poupança nacional remetidos para fora por brasileiros.
A Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica, tendo à frente seu secretário-executivo, Francisco Whitaker, começa a exigir a investigação da CC-5. A diretoria do Banco Central convive passivamente com todo esse processo e tem dinheiro sobrando para contratar uma agência de propaganda, mas diz não ter para contratar fiscais, auditores e analistas.
O Congresso Nacional tem de apoiar integralmente a CPI do Narcotráfico, cuja principal tarefa é enfrentar os esquemas de lavagem do tráfico, mergulhando e desmantelando a CC-5. Paralelamente, devemos exigir que o Banco Central contrate novos profissionais para fortalecer as atividades de supervisão e fiscalização bancária. Mas, principalmente, o governo e sua base parlamentar precisam permitir a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade do Poder Legislativo em normatizar o sistema financeiro. O Banco Central é poderoso demais para continuar sem mecanismos democráticos e transparentes de controle social.
Nessa perspectiva, é positivo que o BC se disponha a rediscutir a questão da fiscalização. Até porque um enfoque mais adequado nessa área certamente ajudará a evitar situações que possam levar membros da direção da instituição ao constrangimento de sentarem no banco dos réus.


Aloizio Mercadante Oliva, 45, economista e professor universitário licenciado da PUC e da Unicamp, foi candidato a vice-presidente da República com Lula em 1994, é deputado federal, presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara Federal e vice-presidente nacional do PT.


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