São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2001

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A NOVELA DO CALOTE

Credores estudam usar precedentes do Peru e do Congo para arrestar bens argentinos em caso de moratória

Credores da Argentina ameaçam ir à Justiça

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Credores internacionais decidiram armar-se para um conflito judicial contra a Argentina. Com medo de um calote do ministro Domingo Cavallo, um grupo de credores anunciou já estar contratando advogados de peso para assessorá-los ou para pedir na Justiça o congelamento de contas e remessas externas da Argentina se o país decretar a moratória.
Um dos advogados consultados é David Boies, o mesmo que obteve a condenação da Microsoft na Justiça e defendeu o ex-vice-presidente Al Gore durante o conflito eleitoral que transtornou as eleições presidenciais norte-americanas no ano passado.
"Ainda não decidimos que caminho tomar, mas conversamos com Boies e outros dois advogados sobre assessoria jurídica e sobre um possível processo", disse à Folha Hans Humes, do Van Eck Emerging Market Funds, um dos fundos de investimento envolvidos no processo.
A Folha apurou que outro especialista consultado é o professor Andreas Lowenfeld, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York. Lowenfeld representou o fundo de investimentos Elliot Associates no processo que congelou remessas do governo do Peru no ano passado.
Ontem, o grupo de credores -criado no âmbito da Associação dos Credores de Mercados Emergentes- enviou cartas ao FMI e à Secretaria do Tesouro dos EUA pedindo que seus direitos sejam assegurados na reestruturação da dívida argentina.
Se forem à Justiça, eles devem invocar precedentes recentes de tribunais de Nova York e de Bruxelas em casos contra o Peru, o Panamá e o Congo. Esses precedentes permitiram a credores apreender judicialmente recursos financeiros desses países mesmo depois de eles terem decretado moratórias ou deixado de pagar títulos específicos.
"Estamos nos protegendo. Até o momento, não fizemos parte das negociações sobre o problema da Argentina", disse Humes. "Enquanto isso, o governo argentino vem sendo assessorado por bancos de investimento e por um conhecido escritório de advogados que já ajudou países a decretarem moratórias."
O escritório a que Humes se referiu como sendo o representante da Argentina é o Gottlieb, Steen & Hamilton, de Nova York, o mesmo cujo principal advogado, Lee C. Buchheit, defendeu o Peru.
Humes não quis dizer quem são os credores privados da Argentina envolvidos no processo, mas sugeriu que poderá ocorrer uma batalha jurídica no dia seguinte a uma eventual moratória do país.
Sem confirmar nem negar ter sido consultado pelos credores da Argentina, Lowenfeld disse que as chances de os credores privados obrigarem o país a pagar sua dívida externa, mesmo depois de decretar calote, depende do tipo de contratos embutidos nos títulos emitidos pelo governo.
"É preciso que exista a indicação expressa da Justiça de Nova York como a jurisdição escolhida para solucionar os conflitos. Quanto maior o volume de títulos com essa provisão, mais problemas o governo argentino terá."
O advogado disse ainda que, para entrar com uma ação contra o governo argentino, é preciso haver outra cláusula garantindo ao detentor de um título os mesmos benefícios que o país oferecer a outros credores.
"Às vezes, um governo beneficia credores que aceitaram pacificamente a troca de títulos depois de uma moratória. Garantias especiais são oferecidas em troca de títulos de valor mais baixo."


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