São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003


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OPINIÃO ECONÔMICA

Devagar com o andor que o santo é de barro

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O otimismo , quase militante, de alguns dos principais analistas econômicos que frequentam a mídia, nestes tempos de Lula ídolo dos mercados, tomou um banho de água fria com a divulgação dos dados do crescimento do PIB no terceiro trimestre do ano.
Com o crescimento dos índices de preços convergindo para a meta de inflação fixada para 2004 e a redução importante da taxa Selic durante os últimos meses, esperava-se que estivéssemos prontos para que as portas do Paraíso fossem abertas para nossa economia. Alguns mais açodados chegaram mesmo a se preocupar com um eventual superaquecimento da atividade econômica e tiveram pesadelos com uma possível volta da inflação...
Para quem acompanha com isenção e cuidado o pulsar de nossa economia, a má notícia dada pelo IBGE sobre a atividade econômica já podia ser antecipada quando o Banco Central divulgou, dias antes, as informações sobre o mercado de crédito em outubro. Elas mostravam, de maneira clara, que a demanda de crédito no primeiro mês do último trimestre do ano -foco agora do otimismo inconsequente de muitos- pouco tinha mudado em relação aos meses anteriores.
O BC mostrou também que a redução dos juros, nas operações com empresas e consumidores, fora marginal e insuficiente para provocar um estímulo significativo na demanda via crédito mais barato e mais farto.
O principal erro, que os otimistas incorreram em suas análises apressadas sobre a intensidade da volta do crescimento da economia, deriva de uma forma incorreta de relacionar juros e crédito com o nível de atividade de uma economia que sofre um longo período de estagnação, como acontece no Brasil. Essa armadilha ocorre com frequência para aqueles que acreditam que o futuro será sempre uma repetição monótona do passado. Como não levam em conta, em seus modelos econométricos, as características específicas de cada momento histórico que se vive, acabam não incorporando fenômenos diversos que ocorrem ao longo do tempo.
Isso está acontecendo agora no Brasil e nos Estados Unidos. No país do Tio Sam, aqueles que têm procurado reproduzir nos últimos meses as lições do período 1995/ 1994 estão em maus lençóis com suas previsões incorretas sobre emprego, renda e juros; aqui no Brasil, acontece o mesmo com quem entende estarmos vivendo uma repetição da retomada do crescimento, em 2000, e replicam de uma forma simplista os mesmos acontecimentos.
No caso da maior economia do planeta, a influência de um mundo global, mais integrado e eficiente, e de uma nova e musculosa China tem feito os modelos econométricos parecerem mais biruta de aeroporto do que obras-primas do gênio humano. A já chamada "jobless recovery" mostra a todos que o fenômeno econômico tem hoje características novas, as quais as análises e previsões precisam incorporar.
O caso brasileiro é mais simples e exige apenas um cuidado analítico mais tradicional. A grande diferença entre a situação atual e a que caracterizava a recuperação econômica de 2000 está no nível de renda disponível do consumidor, medido tanto no agregado como no individual.
A carga tributária, o volume de juros pagos pelo governo na rolagem da dívida pública e o crescimento da participação das despesas essenciais na cesta de consumo do brasileiro reduziram de forma brutal a renda disponível para o consumo mais supérfluo. O desemprego maior amplificou esses efeitos sobre a renda disponível agregada do consumidor. As estatísticas recentes mostram que esse quadro não se alterou em outubro!
Ora, o consumo representa quase 70% do PIB no Brasil. Mesmo que esse número tenha se reduzido por conta do crescimento das exportações, ele ainda define a intensidade de nossa atividade econômica. Temos aí a primeira grande diferença entre o período que vivemos e o ano de 2000. A reativação do consumo e, portanto, da atividade econômica vai acontecer de maneira mais lenta e não há razão nenhuma para que o aumento do PIB, no próximo ano, possa repetir a "performance" do tão citado ano de 2000.
Por outro lado, a parcela da receita de impostos, que está sendo reciclada via pagamento de juros na dívida do governo, é hoje maior do que em 2000. Essa renda está ainda mais concentrada no setor financeiro, interno e externo. O entesouramento desses recursos, também em proporção do PIB maior do que o verificado em 2000, reduz a velocidade de recuperação da atividade à medida que não sejam reciclados via investimentos produtivos.
Por tudo isso, repito aqui um conselho sábio que ouvia dos mais velhos no início de minha carreira profissional: "Devagar com o andor que o santo é de barro"!.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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