São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003


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LUÍS NASSIF

A oportunidade perdida

O Brasil tem a síndrome do sebastianismo e da grande chance desperdiçada. Volta e meia aparece um saudosista lembrando que, se não fosse por uma circunstância qualquer no passado, o país teria acontecido.
Monumento de racionalidade sólida, o ex-ministro Roberto Campos nunca foi chegado a esses devaneios, a não ser como recurso retórico contra seus dragões, como a Petrobras. Mas há um episódio que não sei se narrou em seu livro, mas que me foi contado por seu amigo e contemporâneo Walther Moreira Salles.
A formação de economista de Campos, assim como de Octávio Gouvêa de Bulhões, Celso Furtado, dos grandes dos anos 50, consistia em um ferramental teórico utilizado para a solução de problemas e a serviço de uma visão estratégica de país. Estava longe da geração cabeça de planilha que tomou conta das políticas públicas nas últimas décadas, produzindo desastres monumentais em todo o mundo.
Para ele, a grande oportunidade que o Brasil desperdiçou foi lá pelos idos de 1958, em uma reunião no Palácio Laranjeiras com o presidente Juscelino Kubitschek. Campos apresentou uma proposta de desvalorização radical do cruzeiro. Explicou as vantagens, disse que daria um enorme impulso às exportações, atrairia investimento externo para exportar, baratearia os produtos brasileiros, permitindo avançar no mercado externo, permitiria ao país acumular dólares para, depois, avançar em inovações.
O Japão já começara a trilhar por esse caminho e, em breve, a Coréia do Sul faria o mesmo. Houve uma reunião tensa no governo. A proposta acabou sendo abortada por Augusto Frederico Schmidt, poeta e empresário, com enorme influência sobre JK e sobre a Cexim, de Coriolano de Góes, que controlava todo o comércio exterior brasileiro.
Não se sabem as razões que levaram Schmidt a ir contra a medida. Campos e Moreira Salles achavam que era em razão da importação de equipamentos para a indústria têxtil. Mas eram meros rumores. Melhor amigo de Schmidt e empresário da indústria têxtil, Júlio Barbero explica que o setor têxtil não tinha relevância política para emperrar uma proposta de mudança de política cambial.
O fato é que o cruzeiro não se desvalorizou, o país continuou amarrado a crises cíclicas de balanço de pagamentos, apenas nos anos 70 passou a diversificar sua pauta de exportações, mas ainda assim em ritmo flagrantemente inferior ao dos países que investiram firmemente na desvalorização de suas moedas. Obviamente, para os pragmáticos dos anos 50, a desvalorização cambial não era um fim em si próprio. Era o reconhecimento da falta de competitividade sistêmica da economia brasileira e a maneira de injetar um fator que permitisse às empresas, primeiro, começar a buscar o mercado externo com a vantagem de preço, para, depois, ganhar valor agregado.
De lá para cá, a sina brasileira consistiu em espasmos de crescimento abortados por crises cambiais.

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