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BENJAMIN STEINBRUCH
Abrir mão de nossos "kiwis"
A experiência do pedágio urbano de Londres, cedo ou tarde, terá de ser copiada por muitas grandes metrópoles
QUEM ENTRA de carro no centro de Londres no horário
das 7h às 18h30 paga 8 libras,
o equivalente a R$ 33. É o pedágio
urbano, que pode ser recolhido antecipadamente por telefone, internet, correio ou em guichês. Se um
espertalhão tenta burlar os controles e é flagrado pelas câmeras de TV
espiãs, paga multa de 100 libras (R$
415).
No início de 2003, quando esse
pedágio foi criado, numa área de 20
quilômetros quadrados, os londrinos ficaram furiosos. Comerciantes
da área temiam pela redução dos negócios, e moradores, pela desvalorização de seus imóveis. O prefeito
Ken Livingstone, que lançou o projeto, foi ferozmente criticado.
Passados mais de três anos desde
o início do pedágio, os londrinos parecem ter mudado de idéia. Não gostam, obviamente, de pagar para entrar na área central, mas reconhecem que a medida teve efeitos positivos para o trânsito e diminuiu a poluição na região central.
Há mais
pessoas indo de bicicleta ao trabalho, e os congestionamentos, ainda
pesados, são quase 30% menores do
que em 2002, último ano sem pedágio. Livingstone não só foi reeleito
em 2004 como planeja estender a
área do pedágio para outros bairros
de Londres. Com os recursos da cobrança, equivalentes a R$ 500 milhões por ano, ele tem melhorado o
transporte coletivo da cidade, principalmente o de ônibus.
A experiência do pedágio urbano
de Londres, mais cedo ou mais tarde, terá de ser copiada por muitas
grandes metrópoles do mundo. Um
sistema semelhante foi testado neste ano em Estocolmo, na Suécia, durante o primeiro semestre. Teve a
oposição feroz dos holmienses no
início, mas os resultados -redução
de congestionamentos e de poluição- fizeram mudar a opinião das
pessoas. A ponto de a população
aprovar, por meio de um referendo,
a volta do pedágio a partir do próximo ano.
Trato desse tema porque já está
em debate, em São Paulo, a criação
de pedágios urbanos. A maioria dos
especialistas considera que o esquema de Londres, de fechar o centro,
não seria viável em São Paulo, porque a região central é muito extensa.
Planeja-se, então, a construção de
uma pista expressa com pedágio na
marginal do rio Tietê.
Como em Londres e Estocolmo,
certamente os paulistanos serão
contra o pedágio urbano no início.
Ao longo do tempo, se a experiência
for bem-sucedida, mudarão de idéia.
Mas o avanço de qualquer medida
dessa natureza, que representa um
aumento de encargos financeiros
para cidadãos já sufocados pela carga tributária elevada, exige alguns
cuidados.
Uma parcela importante dos recursos a ser arrecadados nesses pedágios urbanos que vierem a ser instalados em São Paulo, ou em qualquer grande cidade brasileira, precisa ser direcionada à melhoria do
transporte coletivo, principalmente
à construção de linhas de metrô.
Os brasileiros já conhecem muito
bem o destino de taxas e impostos
criados no país. Nascem com finalidade específica e nobre e acabam virando simples impostos para cobrir
déficits de orçamento. A CPMF era
para a saúde. A Cide era para conservar estradas.
Será preciso criar um mecanismo
confiável que impeça o sumiço dos
recursos dos pedágios urbanos pelo
ralo dos buracos orçamentários, para que sejam efetivamente aplicados
na melhoria do transporte coletivo.
Se isso for garantido, com certeza a
população saberá aceitar mais esse
encargo, ainda que tenha de perder
mordomias adquiridas ao longo de
décadas.
A sustentabilidade global, expressão da moda, exigirá cada vez mais
mudanças de hábitos e abandono de
alguns luxos do século passado. Na
Inglaterra, até o príncipe Charles resignou-se -vai abandonar o avião e
o carro e passará a viajar de trem de
Highgrove, onde mora, até Londres
para dar sua colaboração pessoal no
combate ao efeito estufa.
Uma revista inglesa lembrou que
os kiwis produzidos na Nova Zelândia viajam de avião para chegar saudáveis à mesa dos europeus. Feitas
as contas, descobriu-se que, para cada quilo de kiwi transportado, os
aviões despejam cinco quilos de gás
carbônico na atmosfera. Então, sem
neuroses, todos teremos de abrir
mão de nossos "kiwis" e passar a
pensar na qualidade de vida de nossos filhos e netos no futuro e no planeta que eles herdarão de seus pais e
avós.
BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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