São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Abrir mão de nossos "kiwis"

A experiência do pedágio urbano de Londres, cedo ou tarde, terá de ser copiada por muitas grandes metrópoles

QUEM ENTRA de carro no centro de Londres no horário das 7h às 18h30 paga 8 libras, o equivalente a R$ 33. É o pedágio urbano, que pode ser recolhido antecipadamente por telefone, internet, correio ou em guichês. Se um espertalhão tenta burlar os controles e é flagrado pelas câmeras de TV espiãs, paga multa de 100 libras (R$ 415).
No início de 2003, quando esse pedágio foi criado, numa área de 20 quilômetros quadrados, os londrinos ficaram furiosos. Comerciantes da área temiam pela redução dos negócios, e moradores, pela desvalorização de seus imóveis. O prefeito Ken Livingstone, que lançou o projeto, foi ferozmente criticado.
Passados mais de três anos desde o início do pedágio, os londrinos parecem ter mudado de idéia. Não gostam, obviamente, de pagar para entrar na área central, mas reconhecem que a medida teve efeitos positivos para o trânsito e diminuiu a poluição na região central.
Há mais pessoas indo de bicicleta ao trabalho, e os congestionamentos, ainda pesados, são quase 30% menores do que em 2002, último ano sem pedágio. Livingstone não só foi reeleito em 2004 como planeja estender a área do pedágio para outros bairros de Londres. Com os recursos da cobrança, equivalentes a R$ 500 milhões por ano, ele tem melhorado o transporte coletivo da cidade, principalmente o de ônibus.
A experiência do pedágio urbano de Londres, mais cedo ou mais tarde, terá de ser copiada por muitas grandes metrópoles do mundo. Um sistema semelhante foi testado neste ano em Estocolmo, na Suécia, durante o primeiro semestre. Teve a oposição feroz dos holmienses no início, mas os resultados -redução de congestionamentos e de poluição- fizeram mudar a opinião das pessoas. A ponto de a população aprovar, por meio de um referendo, a volta do pedágio a partir do próximo ano.
Trato desse tema porque já está em debate, em São Paulo, a criação de pedágios urbanos. A maioria dos especialistas considera que o esquema de Londres, de fechar o centro, não seria viável em São Paulo, porque a região central é muito extensa. Planeja-se, então, a construção de uma pista expressa com pedágio na marginal do rio Tietê.
Como em Londres e Estocolmo, certamente os paulistanos serão contra o pedágio urbano no início. Ao longo do tempo, se a experiência for bem-sucedida, mudarão de idéia.
Mas o avanço de qualquer medida dessa natureza, que representa um aumento de encargos financeiros para cidadãos já sufocados pela carga tributária elevada, exige alguns cuidados.
Uma parcela importante dos recursos a ser arrecadados nesses pedágios urbanos que vierem a ser instalados em São Paulo, ou em qualquer grande cidade brasileira, precisa ser direcionada à melhoria do transporte coletivo, principalmente à construção de linhas de metrô.
Os brasileiros já conhecem muito bem o destino de taxas e impostos criados no país. Nascem com finalidade específica e nobre e acabam virando simples impostos para cobrir déficits de orçamento. A CPMF era para a saúde. A Cide era para conservar estradas.
Será preciso criar um mecanismo confiável que impeça o sumiço dos recursos dos pedágios urbanos pelo ralo dos buracos orçamentários, para que sejam efetivamente aplicados na melhoria do transporte coletivo.
Se isso for garantido, com certeza a população saberá aceitar mais esse encargo, ainda que tenha de perder mordomias adquiridas ao longo de décadas.
A sustentabilidade global, expressão da moda, exigirá cada vez mais mudanças de hábitos e abandono de alguns luxos do século passado. Na Inglaterra, até o príncipe Charles resignou-se -vai abandonar o avião e o carro e passará a viajar de trem de Highgrove, onde mora, até Londres para dar sua colaboração pessoal no combate ao efeito estufa.
Uma revista inglesa lembrou que os kiwis produzidos na Nova Zelândia viajam de avião para chegar saudáveis à mesa dos europeus. Feitas as contas, descobriu-se que, para cada quilo de kiwi transportado, os aviões despejam cinco quilos de gás carbônico na atmosfera. Então, sem neuroses, todos teremos de abrir mão de nossos "kiwis" e passar a pensar na qualidade de vida de nossos filhos e netos no futuro e no planeta que eles herdarão de seus pais e avós.


BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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