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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Uma parábola soberana
O fundo soberano, da forma como foi apresentado, equivale
a guardar os ovos em duas
cestas e uma dentro da outra
IMAGINE um produtor de um bem
qualquer (soja, digamos), cuja
demanda se encontra num excelente momento. Os preços estão altos, a produção se expande, e a renda
do produtor não pára de crescer.
Nosso produtor, porém, é vivido. Não
é a primeira vez que observa um momento favorável e sabe que, mais à
frente, são grandes as chances de que
o ciclo se reverta. Considerando isso,
faz uma escolha sensata: decide poupar parcela de sua renda corrente e
investi-la, garantindo um fluxo de
renda para o período das vacas magras.
Tratando-se, porém, de pessoa
mais afeita às lides produtivas, contrata um consultor financeiro e lhe
dá carta-branca para implantar tal
estratégia. Passado algum tempo, resolve conferir o desempenho do consultor e descobre o seguinte. O consultor, ao invés de poupar a renda excedente, aumentou os gastos da família do produtor, da mesada dos filhos ao salário dos empregados. Por
outro lado, tomou dinheiro emprestado e com ele comprou ações de um
outro produtor de soja...
Não é necessária muita reflexão
para perceber como ficou vulnerável
a situação do produtor. No caso de reversão do ciclo, com queda de preço
da soja, sua renda cairá, mas os gastos
com juros permanecerão. Já seus ativos, cujo valor varia em linha com o
preço da soja, vão se depreciar e não
protegerão seu patrimônio no momento de crise. Seria um exemplo
clássico de má administração financeira.
Considere agora o Brasil e a proposta de criação de um fundo soberano. O país vive um excelente momento, parte por seus méritos, mas devido também a desenvolvimentos externos, em particular um aumento de
quase 90% dos preços das commodities relativamente à média de 2002,
commodities essas que, há muito, representam cerca de dois terços das
exportações brasileiras. A história
nos ensina, porém, que situações como essas não duram para sempre, o
que poderia justificar tal fundo.
No entanto, assim como em nossa
parábola, o projeto do fundo soberano não protege o país contra a reversão cíclica. Em primeiro lugar, em
vez de se originar da poupança de recursos públicos, favorecidos pela expansão da arrecadação, terá como
fonte de recursos o endividamento
interno, já que a receita adicional está
sendo destinada ao aumento do gasto corrente.
Além disso, a despeito do contexto
atual, no qual investidores estrangeiros se acotovelam para financiar empresas brasileiras, pretende-se que os
recursos do fundo sejam aplicados
em ativos (dívida ou ações) associados a essas mesmas empresas. Ninguém precisa de uma bola de cristal
para saber que, no caso de uma reversão cíclica, esses ativos também sofrerão, já que se movem em linha
com os fundamentos brasileiros.
Não há, pois, como fugir à conclusão de que o fundo soberano, da forma como apresentado, não serve ao
país. Serve talvez para dar acesso a financiamento abaixo dos custos de
mercado para algumas empresas privilegiadas e permitir que o Tesouro
também intervenha no mercado de
câmbio, mas equivale a guardar os
ovos em duas cestas e uma dentro da
outra.
A última do Sicsú (e do
Pochmann)...
foi promover um expurgo no Ipea.
Aproveito o espaço para manifestar minha solidariedade aos pesquisadores afastados, congratular
Guilherme Barros pela denúncia
do arbítrio e lamentar o manifesto
sórdido do Corecon-RJ, que apóia
o expurgo, desde que praticado por
pessoas de ideologia semelhante à
sua. Realmente deplorável.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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