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OPINIÃO ECONÔMICA
A aliança Brasil-Índia
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A meu pai
A visita do presidente da República à Índia foi um passo
importante no desdobramento da
política externa do governo brasileiro. Nesse terreno, o governo Lula tem demonstrado eficácia e capacidade de inovar -em contraste marcado, diga-se de passagem, com o que se vê em outras
áreas do governo, nas quais prevalecem até agora ou o amadorismo e a improvisação ou a adesão
acovardada a preceitos econômicos tradicionais.
Digito essa frase e paro. Não
quero desancar a ortodoxia de
galinheiro outra vez. Voltemos à
Índia. Descontados os arroubos
retóricos, normais em discursos
presidenciais, Lula tem razão em
frisar o caráter estratégico da parceria com a Índia. Ela constitui
um dos principais elementos de
uma política que busca fortalecer
os laços econômicos e políticos
com diferentes regiões do mundo,
intensificar as relações Sul-Sul e
atuar em conjunto com outros
países em desenvolvimento para
tornar os organismos internacionais mais representativos e mais
independentes dos países desenvolvidos.
Em outros tempos, essa orientação seria estigmatizada como
"terceiro-mundista". Hoje, são
poucos os que tentam fazê-lo. O
Brasil está superando a mistura
de temor reverencial e deslumbramento beócio em relação ao
Primeiro Mundo, inaugurada no
governo Collor e mantida, no essencial, no período Fernando
Henrique Cardoso.
Na nova política externa, as
nossas relações econômicas e políticas com a América do Sul e outros grandes países da periferia do
sistema internacional, como a Índia, a China, a África do Sul e a
Rússia, adquirem uma importância especial. Essas relações já possuem peso econômico expressivo e
podem crescer consideravelmente. Em 2003, a Argentina foi o segundo maior mercado para as exportações brasileiras; a China, o
terceiro.
Não se trata obviamente de deixar em segundo plano as relações
com os países desenvolvidos. Basta lembrar que os países da União
Européia e os Estados Unidos responderam em 2003 por 25% e
23% das nossas exportações de
mercadorias, respectivamente. O
que se pretende é diversificar ainda mais a estrutura geográfica do
comércio exterior brasileiro e
usar as alianças com outros países em desenvolvimento, especialmente os de grande porte, para
fazer valer os nossos interesses em
negociações como as da OMC, da
Alca e outras.
As relações com a Índia ainda
são modestas. O comércio bilateral mal ultrapassou US$ 1 bilhão
no ano passado. Mas o potencial
de expansão é inegável. A economia da Índia vem crescendo em
ritmo muito expressivo e a do
Brasil não vai (espero) ficar estagnada para sempre. Além disso,
durante a visita de Lula, foram
assinadas as diretrizes para um
acordo de preferências tarifárias
entre o Mercosul e a Índia. Esse
acordo poderá ser concluído ainda neste ano; está sendo anunciado como primeiro passo para a
negociação de uma área de livre
comércio.
A dimensão bilateral talvez não
seja a mais importante no nosso
relacionamento com a Índia. Os
indianos têm forte tradição de
atuação independente nos organismos multilaterais. Nos anos
80, antes da derrocada que começou no final do governo Sarney e
continuou nos governos seguintes, o Brasil e a Índia formaram
uma importante aliança no Gatt
(o antecessor da OMC), com o intuito de impedir que a rodada
Uruguai beneficiasse de modo
desproporcional os países desenvolvidos, contemplando temas do
seu interesse e excluindo os de interesse de países em desenvolvimento. A defecção do Brasil, que
acabou cedendo às pressões dos
EUA e de outros países desenvolvidos, deixou a Índia praticamente isolada. Isso contribuiu para que os resultados finais da Rodada Uruguai, que desembocou
na criação da OMC, fossem basicamente desfavoráveis para os
países em desenvolvimento.
Agora, a aliança com a Índia
está sendo retomada. Na reunião
da OMC, em Cancún, em setembro último, um dos fatos mais importantes foi a atuação conjunta
do Brasil não só com a Índia mas
com um grupo de mais de 20 países em desenvolvimento, que incluiu a Argentina, a China, a
África do Sul, o Egito e a Indonésia. A ação desse grupo conseguiu
frustrar a tentativa da União Européia e dos EUA de limitar drasticamente as concessões na área
agrícola, reeditando manobra
realizada no final da rodada
Uruguai.
O potencial dessa aliança de
países em desenvolvimento está
longe de esgotado. O grupo continuará atuando nas próximas
reuniões da OMC. E o presidente
Lula anunciou, na Índia, que devem ser lançadas em junho próximo, na reunião da Unctad em
São Paulo, as bases para um novo
sistema de preferências comerciais entre países em desenvolvimento.
Não posso deixar de mencionar
meu pai, o embaixador Paulo Nogueira Batista. Primeiro porque a
sua iniciativa foi essencial no lançamento do sistema de preferências comerciais entre países em
desenvolvimento no âmbito da
Unctad, nos anos 80, como lembrou o embaixador Rubens Ricupero, atual secretário-geral da entidade, em artigo publicado recentemente na Folha. Segundo
porque ele foi um dos arquitetos
da aliança com a Índia durante a
rodada Uruguai. A sua atuação
nessas negociações em Genebra é
lembrada até hoje.
Ele faz muita falta. Digo isso
não só como filho mas como brasileiro. Com que entusiasmo ele
estaria assistindo e discutindo,
talvez participando desse esforço
de retomada e aprimoramento
das melhores tradições da política
externa brasileira!
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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