São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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ANÁLISE

A recuperação do Japão pode não durar

DO "FINANCIAL TIMES"

A economia japonesa está de volta. Será mesmo? À primeira vista, a resposta é um "sim" muito firme: a economia cresceu a um ritmo anualizado de 7% no trimestre final de 2003. O que impulsiona essa recuperação é uma alta nos investimentos, precedida por uma grande melhora das exportações. Esse padrão não demonstra que o Japão mudou demais; na verdade, mostra que houve mudança de menos. Por esse motivo, a sustentabilidade da recuperação está em dúvida.
Se estivéssemos à procura de uma explicação resumida em uma única palavra para o fenômeno, teríamos de optar por "China". O colosso asiático, há muito visto pelos japoneses como uma ameaça, se transformou em salvador repentinamente. No mês passado, o superávit comercial japonês atingiu os 507 bilhões de ienes (US$ 4,7 bilhões), quase cinco vezes mais que o resultado de janeiro de 2003. As exportações para a China cresceram 33,8% em termos de ienes em relação ao mesmo mês no ano anterior.
Nos 12 meses até o último trimestre de 2003, as exportações líquidas contribuíram com cerca de um quarto do crescimento econômico de 3,8%. As exportações líquidas começaram a ser contribuição significativa para a virada da economia em 2002. No começo de 2003, a expansão nos investimentos também já estava em curso. Nos 12 meses encerrados no quarto trimestre de 2003, os investimentos contribuíram com 40% do crescimento total.

Tendência global
O mundo está se recuperando e boa parte do crescimento vem sendo gerada nas cercanias do Japão, em parte como resposta à retomada do crescimento nos EUA. Essa tendência vem atingindo o Japão, o mais competitivo dos fornecedores de máquinas e componentes da região. Mas é difícil evitar a sensação de "déjà vu".
A questão mais importante, no entanto, é determinar se estamos no começo de uma recuperação sustentada. A resposta depende de nossa análise sobre os males subjacentes da economia. E quanto a isso existem duas opiniões radicalmente divergentes.
Uma opinião é a de que o Japão está sofrendo as conseqüências de um superávit estrutural de poupança privada desejada, em relação ao investimento, equivalente a pelo menos 10% de seu PIB (Produto Interno Bruto). Além disso, a tendência de longo prazo para esse superávit é de crescimento, porque as grandes empresas japonesas continuam a investir demais. No curto prazo, como agora, pode haver um surto de investimentos propelido pelas exportações. A longo prazo, porém, a participação do investimento privado deve cair em relação ao PIB. Quando isso acontecer, a demanda voltará a se enfraquecer.

Sustentável
A opinião alternativa é a de que o Japão, basicamente, continua a sofrer as conseqüências da bolha no preço dos seus ativos no final dos anos 80. Uma vez que os balanços das empresas privadas se fortaleceram e a política monetária do Banco do Japão ganhou eficiência, o nível de poupança privada deve começar a cair. De acordo com essa corrente de pensamento, o Japão estaria à beira de uma recuperação sustentada.
Os próximos anos mostrarão qual das duas explicações é a correta. Mas, pelo menos quanto a um ponto, todas as opiniões plausíveis tendem a convergir. O Japão precisa de exportações fortes e de um grande superávit em conta corrente se quiser equilibrar oferta e procura e obter um crescimento sustentado.
Para sustentar um crescimento econômico acelerado, o Japão precisa da Ásia, da mesma forma como a Ásia precisa dos Estados Unidos. Nesse sentido, ao menos, nada de importante mudou. A demanda doméstica japonesa provavelmente não será uma fonte vigorosa de dinamismo para a economia mundial.


Tradução de Paulo Migliacci


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