São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Crise econômica gera desglobalização

Queda em indicadores de integração, como movimento de bens, de capitais e de pessoas, mostra tendência de declínio da globalização

Por conta da desaceleração, OMC já estima que comércio global terá retração de 9% neste ano, a maior desde a Segunda Guerra Mundial


MARCELO NINIO
DE GENEBRA

A vertiginosa desaceleração da economia mundial adiciona à pauta do G20 um termo até agora restrito ao desejo dos ativistas anticapitalismo: desglobalização. Com os indicadores de integração dos mercados em queda livre, a globalização perde fôlego e ameaça mostrar sua face mais desigual.
Muitos alegam que o avanço tecnológico e a interdependência econômica revolucionaram a tal ponto os meios de produção que tornaram o processo irreversível. Mas os números mostram recuo em três elementos que definem a globalização: o movimento de bens, de capitais e de pessoas.
Na semana passada, a OMC (Organização Mundial do Comércio) previu que o comércio global terá neste ano a maior queda desde a Segunda Guerra Mundial, com contração de 9%. O declínio drástico da demanda e o bloqueio nos canais de financiamento fizeram desabar o volume das transações. Para piorar, barreiras protecionistas começam a ser erguidas em todos os continentes.
Em janeiro, a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) registrou queda de 23,2% no transporte de cargas em relação ao mesmo mês de 2008. "É um claro sinal de que o pior da crise ainda está por vir", disse o diretor-geral da Iata, Giovanni Bisignani, observando que mais de um terço do comércio mundial de bens é feito por via aérea.
A crise também reduziu o movimento de pessoas. O número de passageiros de voos pelo mundo caiu 5,6% em janeiro. O de turistas, que vinha crescendo 5% anualmente, encolheu 1% no último semestre, informou a Organização Mundial do Turismo.
Isso sem falar nas restrições à imigração. Em tempos de prosperidade, trabalhadores estrangeiros eram atraídos pelos países ricos para suprir a falta de braços, principalmente no setor de construção civil de países como Estados Unidos, Espanha, Reino Unido e Irlanda. Agora que a bolha estourou e o desemprego bate recordes, eles passaram a ser vistos como competidores indesejados.
Nas estações de metrô de Madri, anúncios do governo incentivam imigrantes a deixar o país, oferecendo 450 para os custos de viagem. Nos Estados Unidos, o governo dá incentivos a empresas para contratarem funcionários americanos.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) calcula que a crise poderá eliminar até 40 milhões de empregos no mundo até o fim do ano, grande parte entre a população "vulnerável", como a imigrante.

Retrocesso na integração
O termo desglobalização tornou-se conhecido como uma proposta do economista filipino Walden Bello. Veterano crítico do capitalismo, Bello prega um retrocesso no processo de integração mundial para reduzir a dependência exterior.
Mas o que é uma estratégia para Bello pode estar sendo precipitado pela crise, alertou em janeiro o premiê Gordon Brown. Anfitrião da cúpula do G20 em Londres, na próxima quarta-feira, Brown deve repetir a advertência.
"Pela primeira vez vemos fluxos internacionais de capital crescerem menos que os domésticos e os bancos favorecerem empréstimos nacionais em vez de estrangeiros. Essa é uma tendência que temos de deter para evitar uma perigosa espiral de desalavancagem e desglobalização, com consequências adversas para todas as economias."
O fluxo de investimento estrangeiro direto (IED) teve queda mundial de 21% em 2008 e deve levar um tombo ainda maior neste ano. Mesmo entre os maiores países emergentes, que nos últimos anos foram os destinos preferidos, haverá forte queda. No Brasil, que recebeu US$ 43,8 bilhões em 2008, o BC estima que o fluxo cairá pela metade.
Mas as maiores vítimas são os países mais pobres. "Os combustíveis da integração são o comércio e o financiamento", disse à Folha Donald Kaberuka, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento.
"Para os países ricos, a falta de acesso ao crédito significa perda de casas e de empregos. Mas na África são as vidas que estão em perigo."
Uma clara preocupação é o protecionismo, diz Norbert Jorek, da consultoria A.T. Kearney, responsável pelo índice de globalização publicado pela revista "Foreign Policy". Ele vê "hipocrisia" nos discursos de líderes como Brown, que no exterior prega o livre comércio, mas defende "empregos britânicos para os britânicos" quando volta para casa.


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