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Crise econômica gera desglobalização
Queda em indicadores de integração, como movimento de bens, de capitais e de pessoas, mostra tendência de declínio da globalização
Por conta da desaceleração,
OMC já estima que comércio global terá retração de 9% neste ano, a maior desde a Segunda Guerra Mundial
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
A vertiginosa desaceleração
da economia mundial adiciona
à pauta do G20 um termo até
agora restrito ao desejo dos ativistas anticapitalismo: desglobalização. Com os indicadores
de integração dos mercados em
queda livre, a globalização perde fôlego e ameaça mostrar sua
face mais desigual.
Muitos alegam que o avanço
tecnológico e a interdependência econômica revolucionaram
a tal ponto os meios de produção que tornaram o processo irreversível. Mas os números
mostram recuo em três elementos que definem a globalização: o movimento de bens, de
capitais e de pessoas.
Na semana passada, a OMC
(Organização Mundial do Comércio) previu que o comércio
global terá neste ano a maior
queda desde a Segunda Guerra
Mundial, com contração de 9%.
O declínio drástico da demanda
e o bloqueio nos canais de financiamento fizeram desabar
o volume das transações. Para
piorar, barreiras protecionistas
começam a ser erguidas em todos os continentes.
Em janeiro, a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) registrou queda de
23,2% no transporte de cargas
em relação ao mesmo mês de
2008. "É um claro sinal de que
o pior da crise ainda está por
vir", disse o diretor-geral da Iata, Giovanni Bisignani, observando que mais de um terço do
comércio mundial de bens é
feito por via aérea.
A crise também reduziu o
movimento de pessoas. O número de passageiros de voos
pelo mundo caiu 5,6% em janeiro. O de turistas, que vinha
crescendo 5% anualmente, encolheu 1% no último semestre,
informou a Organização Mundial do Turismo.
Isso sem falar nas restrições
à imigração. Em tempos de
prosperidade, trabalhadores
estrangeiros eram atraídos pelos países ricos para suprir a falta de braços, principalmente no
setor de construção civil de países como Estados Unidos, Espanha, Reino Unido e Irlanda.
Agora que a bolha estourou e o
desemprego bate recordes, eles
passaram a ser vistos como
competidores indesejados.
Nas estações de metrô de
Madri, anúncios do governo incentivam imigrantes a deixar o
país, oferecendo 450 para os
custos de viagem. Nos Estados
Unidos, o governo dá incentivos a empresas para contratarem funcionários americanos.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) calcula que
a crise poderá eliminar até 40
milhões de empregos no mundo até o fim do ano, grande parte entre a população "vulnerável", como a imigrante.
Retrocesso na integração
O termo desglobalização tornou-se conhecido como uma
proposta do economista filipino Walden Bello. Veterano crítico do capitalismo, Bello prega
um retrocesso no processo de
integração mundial para reduzir a dependência exterior.
Mas o que é uma estratégia
para Bello pode estar sendo
precipitado pela crise, alertou
em janeiro o premiê Gordon
Brown. Anfitrião da cúpula do
G20 em Londres, na próxima
quarta-feira, Brown deve repetir a advertência.
"Pela primeira vez vemos fluxos internacionais de capital
crescerem menos que os domésticos e os bancos favorecerem empréstimos nacionais
em vez de estrangeiros. Essa é
uma tendência que temos de
deter para evitar uma perigosa
espiral de desalavancagem e
desglobalização, com consequências adversas para todas as
economias."
O fluxo de investimento estrangeiro direto (IED) teve
queda mundial de 21% em
2008 e deve levar um tombo
ainda maior neste ano. Mesmo
entre os maiores países emergentes, que nos últimos anos
foram os destinos preferidos,
haverá forte queda. No Brasil,
que recebeu US$ 43,8 bilhões
em 2008, o BC estima que o fluxo cairá pela metade.
Mas as maiores vítimas são
os países mais pobres. "Os combustíveis da integração são o
comércio e o financiamento",
disse à Folha Donald Kaberuka, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento.
"Para os países ricos, a falta
de acesso ao crédito significa
perda de casas e de empregos.
Mas na África são as vidas que
estão em perigo."
Uma clara preocupação é o
protecionismo, diz Norbert Jorek, da consultoria A.T. Kearney, responsável pelo índice de
globalização publicado pela revista "Foreign Policy". Ele vê
"hipocrisia" nos discursos de líderes como Brown, que no exterior prega o livre comércio,
mas defende "empregos britânicos para os britânicos" quando volta para casa.
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