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ARTIGO
Os portugueses preferiram ir à praia
JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA
Portugal está a caminho da
falência. Basta lembrar o que se
passou na passada terça-feira.
Não falo do corte do "rating" da
República pela Standard &
Poor's, que aumentou dramaticamente o risco da dívida portuguesa.
Falo de coisas banais. O dia
era de greve dos transportes
públicos. E os portugueses estavam na praia.
A uma terça? Exato. Entre
procurar formas alternativas
de transporte para irem trabalhar e simplesmente não irem,
os portugueses optaram pelo
mar.
Verdade que nós, portugueses, sempre fomos um povo de
marinheiros. Mas não foram
apenas as praias a se encherem
em dia de trabalho. Em Lisboa,
é praticamente impossível arranjar uma mesa a um sábado à
noite. E, nas últimas férias de
Páscoa, os hotéis e os voos lotaram.
Seria fácil vestir a toga do
moralista. Não consigo. A irresponsabilidade do meu povo é
um produto direto da irresponsabilidade dos líderes, que há
vários anos também vivem na
sua praia. A praia da fantasia.
Escutá-los é o melhor retrato. O presidente da República,
Cavaco Silva, economista reputado e antigo primeiro-ministro (1985-1995), afirma diariamente que está tudo bem e não
há motivo para alarme.
O governo, reeleito há seis
meses, diz o mesmo. "Fomos os
últimos a entrar na crise internacional e os primeiros a sair",
ufanava-se José Sócrates em
campanha eleitoral. E acrescentava: "Ainda está para nascer um primeiro-ministro que
faça melhor no deficit do que
eu".
Não duvido. Em 2009, Portugal começou com um deficit de
2,7%, passou para uma previsão de 5,9% e terminou nos
9,3%, o maior da sua história.
E agora? Que fazer, quando
os mercados olham para Portugal como se olha para um alcoólatra que precisa de empréstimos para pagar os empréstimos e continuar a beber?
Agora, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, está
disposto a combater "o ataque
dos mercados". E como se combatem essas naves espaciais de
especuladores extraterrestres
que não aplaudem o nosso crescimento medíocre (pior que o
grego na última década) e a
nossa carga de dívidas ainda
mais pesada que a de Atenas?
Alguns lunáticos, entre os
quais me incluo, responderiam:
apresentando um plano credível, capaz de cortar na despesa
de forma austera (como fez a
Irlanda com os salários) e suspendendo obras faraônicas, como o TGV para Madri ou um
novo aeroporto de Lisboa.
O governo discorda dos lunáticos. E, depois de apresentar
um Orçamento e um Programa
de Estabilidade e Crescimento
que fariam as delícias dos estúdios Disney, Sócrates reuniu de
emergência com o novo líder da
oposição e propôs medidas de
cosmética nos subsídios sociais. O líder da oposição concordou. Portugal, neste momento, não tem oposição.
Mas tem sol e mar. E a esperança, inconfessada, de que a
União Europeia (e o FMI) faça
com os portugueses o que promete fazer com os gregos. Salvá-los. Curiosamente, não parece passar pela cabeça de ninguém que, se a Alemanha salvar
a Grécia, talvez não haja espaço
para mais um.
Em 1975, Paulo Francis confrontava-se com os delírios lusitanos após a Revolução dos
Cravos e escrevia nesta Folha:
"Em Portugal há humor; falta
governo".
Trinta e cinco anos depois, é
difícil superar o Francis.
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