São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Frio na barriga


Não dá para saber "se" nem "quando" os novos presságios do oráculo Greenspan poderão se tornar realidade

É CURIOSO observar que a expressão "exuberância irracional", a mais famosa cunhada por Alan Greenspan durante seu longo período como presidente do BC americano, foi dita em dezembro de 1996, em discurso na American Enterprise Institute. Mas ela só foi popularizada quase quatro anos depois, em 2000, quando o professor Robert Shiller, que influenciou Greenspan em 1996, usou-a no título de um livro, pouco antes do estouro da bolha da internet.
Na semana passada, o oráculo falou novamente. Greenspan disse que o ritmo atual de crescimento da economia mundial não poderá durar para sempre. E confessou temer por uma "contração dramática" no mercado de ações da China, que estaria vivendo uma bolha. Ele próprio, porém, usou a velha técnica de bater e assoprar ao acrescentar que a economia global tem chance de "sair ilesa" de possível desaceleração da China se for suficientemente flexível para absorver as flutuações.
Se não fosse criativo, Greenspan poderia ter usado a mesma palavra, exuberância, para definir o momento atual das economias e dos mercados mundiais. É fato que a economia global, puxada pelos países emergentes, com a locomotiva da China, vai se tornando assustadoramente exuberante.
Segundo previsão da revista "The Economist", os dez principais países emergentes, entre eles o Brasil, terão no fim do ano reservas de quase US$ 3 trilhões. O Brasil terá ao menos US$ 150 bilhões, valor suficiente para liquidar toda a dívida externa pública e ainda manter mais de US$ 80 bilhões em caixa. Isso ocorre porque os emergentes, que tantas vezes quebraram nas últimas décadas do século passado, produzem agora enormes superávits comerciais. A China apresentou superávit de US$ 207 bilhões nos últimos 12 meses, e o Brasil, de US$ 46,7 bilhões.
Exuberância é observada também no bloco dos desenvolvidos. O grupo dos 30 países mais ricos do mundo vai crescer em média 2,7% neste ano, nível ligeiramente acima do verificado no ano passado. Haverá um recuo na taxa de expansão americana, mas compensado pelo avanço da União Européia e do Japão.
Nesse cenário de crescimento, uma preocupação diz respeito à inflação mundial, decorrente do aumento do preço dos alimentos. Por ironia, a saudável corrida ao etanol provocou elevação de 86% nos preços do milho nos EUA no primeiro trimestre, com reflexos em toda a cadeia de commodities agrícolas.
Outra preocupação é o déficit americano, que atingiu US$ 827 bilhões nos últimos 12 meses e continua a ser financiado, sobretudo, pelo superávit chinês.
Internamente, apesar dos indicadores igualmente positivos, as preocupações brasileiras são os juros exageradamente altos, que desajustam o câmbio, a falta de investimentos públicos em infra-estrutura e a carga tributária, que desestimula investimentos privados.
Quando cunhou a "exuberância irracional", a profecia de Greenspan se cumpriu em pouco menos de quatro anos, com o estouro das ações das empresas pontocom. Desta vez, o alerta do velho sábio fez tremer os mercados mundiais durante dois dias.
Não dá para saber "se" nem "quando" os novos presságios poderão se tornar realidade. De minha parte, faço votos de que jamais se cumpram, de que a prosperidade continue por décadas afora e de que o Brasil, com coragem e sem conservadorismos exagerados, saiba aproveitar melhor essa fase, enquanto durar. Mas, na verdade, a fala do oráculo dá frio na barriga.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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