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VINICIUS TORRES FREIRE
A Justiça carnavalizada do Brasil
Estamento dos "alguéns" não
sofre condenações: ganha estigmas no justiçamento
social e mundano, se tanto
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EXISTE NO PAÍS uma Justiça especial para o estamento dos
políticos, dos altos burocratas, dos mais ricos, dos notórios, das
celebridades e, enfim, daqueles que
"conhecem alguém" -não vale conhecer um "zé ninguém". Temos, na
prática, um conceito avacalhado de
fidalguia, típico de um país em que a
mobilidade social, embora muito
restrita, é intensa; em que o favor
ainda é norma e o Estado é grande e
despoliciado o bastante para prover
muito agrado. Essa comunidade de
gente de prestígio, com aura midiática, política e econômica, tem foro
privilegiado de Justiça.
Não se trata aqui da instituição
formal e também deplorável dos tribunais especiais, das imunidades e
de conselhos administrativos para
julgar os rolos de grande empresa e
bancos, além do direito de cadeia diferenciada para bacharéis, por
exemplo. O foro privilegiado é o da
paródia da Justiça que vemos em
CPIs, shows de algemas, prisões
temporárias e "denúncias", das
quais raramente enxergamos resultados práticos. Criamos uma instituição informal de Justiça, o tribunal carnavalizado.
A carnavalização da Justiça pode
ser apreciada com mais clareza durante os "escândalos", em especial
os políticos, naqueles momentos de
transe moral e de expiação ritualística de CPIs. O país em parte gosta do
justiçamento social e novelesco,
praticado por meio de vazamento de
processos, das arapongagens, da lavagem inconseqüente de roupa suja.
O país não apenas gosta disso como
essa é a forma que restou para conter um tico da rapina do Estado, pois
os tribunais de fato não funcionam.
A figura pública que se torna objeto de "denúncias" nem bem é absolvida nem condenada à cana dura. Na
Justiça do estamento de "alguéns",
arranha-se o prestígio, a fama e, como decorrência ocasional, retira-se
parcela do poder e dos rendimentos
que em geral estão associados a esses atributos. A punição dos "alguéns" é apenas um estigma. Tal
mácula se enfrenta com galhardia
mais ou menos cínica. Incapacita o
"joão alguém" de forma provisória e
atenuada, o condena a uma vida
mais sorrateira ou a uma atuação
pública mais escamoteada. Essa é a
"pena" dos "alguéns": pairar no limbo dos "envolvidos" nisso ou naquilo, um ostracismo moral, político ou mundano que pode durar semanas
ou anos. Essa é a Justiça real do Brasil do estamento, não a dos manuais.
Nos paroxismos de indignação é
recorrente a farsa da refundação, da
"limpeza ética", das reformas políticas, da indignação com as ameaças
ao "Estado de Direito" (que quase
inexiste). É a hora do transe salvacionista, de surtos pequeno-burgueses pela "ética na política", tão irrelevantes como aqueles "movimentos pela paz" que se sucedem a chacinas e ao trucidamento de cidadãos
por bandidos comuns, criminosos
policiais, milícias privadas legais e
esquadrões da morte.
A Justiça carnavalizada é uma instituição típica de um país em que as
leis "pegam" ou "não pegam". Como
resposta, além da reação dramática,
novelesca, sentimental, as providências sugeridas ou mesmo adotadas, são formalistas: leis "duras" e
reformas institucionais que logo são
adaptadas pelo estamento bandalho
para servir à próxima onda de rapina
e ruína dos direitos de cidadania.
vinit@uol.com.br
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