São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Ciclo de crédito e regulação


As bolhas de ativos são endêmicas, e os BCs têm obrigação de lidar com elas enquanto é tempo

NA EDIÇÃO deste mês, a revista inglesa "Prospect" publica um debate sobre a crise financeira. Entram em campo alguns graúdos da finança e da opinião econômica: George Soros, Anatoly Kaletstky, do "London Times", Martin Wolf, do "FT", John Gieve, do Comitê de Estabilidade Financeira do Banco da Inglaterra, entre outros.
Vou reproduzir os trechos do debate que julguei de maior interesse para o leitor brasileiro. Os trechos foram traduzidos de forma livre e se concentram na controvérsia sobre os instrumentos mais adequados para administrar um ciclo de crédito com inflação de ativos.
Alto dirigente do Banco da Inglaterra, Gieve não escapa pela tangente ao comentar a responsabilidade das autoridades no desenvolvimento das práticas e inovações que levaram ao desfecho indesejado. Diz ele: é impossível negar que a ausência de regulação no mercado de hipotecas contribuiu para a eclosão da crise. Na última euforia com a valorização de ativos, as operações estruturadas de crédito (vender títulos lastreados em empréstimos hipotecários e outros) fizeram a diferença. Os que inventavam e promoviam tais produtos não tinham a menor idéia sobre o comportamento de seus preços em condições econômicas distintas.
O assim chamado megaespeculador George Soros desconfia das teorias que informam as decisões dos protagonistas dos mercados financeiros. Para ele, as autoridades e os demais participantes do jogo de avaliação da riqueza apóiam-se em uma falsa interpretação sobre o funcionamento dos mercados. Imaginam que tendem ao equilíbrio, e os desvios são aleatórios. Essa falsa concepção permitiu a elaboração dos produtos estruturados e produziu uma crise muito maior e mais abrangente do que uma simples bolha imobiliária americana. Bolhas de ativos são endêmicas. As autoridades reguladoras têm obrigação de lidar com elas enquanto é tempo. Não é o caso de utilizar a política monetária, ou seja, de tentar furar a bolha com a alta dos juros. Trata-se de operar através do canal do crédito.
Soros, como Minsky, assegura que os mercados financeiros lidam com promessas e avaliações sobre o curso futuro dos ativos e dos títulos de dívida. Estão, portanto, sujeitos a gerar endogenamente euforia e pânico. O Banco Central deve estar sempre pronto para modificar as exigências de reservas e de capital conforme a toada do ciclo econômico. Gieve não só concorda com Soros, como acrescenta: usar a taxa de juros para controlar um ciclo de ativos pode produzir graves danos à economia: as taxas devem subir muito para conter as expectativas altistas e eufóricas dos investidores. As autoridades -leia-se o BC- devem recorrer à ampliação das exigências de capital e de liquidez para dar eficácia anticíclica às suas políticas.
No Brasil, autoridades encarregadas da gestão da moeda e do crédito, assim como participantes do mercado, sugerem em suas manifestações que as receitas de Soros e Gieve são velharias. Deveriam estar mofando no Museu da Política Monetária. Assim pensava o ex-maestro Greenspan quando os críticos alertavam para o desastre que se aproximava.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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