São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Bolsa Família "perde" para a cesta básica

Em PE, famílias plantam e fazem bicos para repor poder aquisitivo; benefício está defasado mesmo com reajuste de 8%

Valor médio dos benefícios em Pernambuco é suficiente para comprar apenas 45% de uma cesta básica de 13 itens, segundo o Dieese

Fernando Canzian/Folha Imagem
Sueli Dumont, beneficiária do Bolsa Família, recolhe garrafas PET em lixão para complementar renda, em PE


FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

Para as famílias pernambucanas de Sueli Dumont, 36, e Micinéia dos Santos, 36, o novo reajuste de 8% para os benefícios do Bolsa Família a partir de julho significam 1,5 kg de feijão a mais à mesa. Isso se os preços pararem de subir.
Desde 2005, quando a Folha passou a acompanhar essas famílias em Pernambuco, o valor dos benefícios nunca esteve tão longe do dos alimentos.
Tanto que levou o marido de Micinéia, Pedro Silva, 58, a plantar "40 covas" de pés de feijão no fundo do quintal de seu barraco, na favela Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes, ao sul de Recife.
"Esse feijão é bom. A gente vai tirando e ele dá de novo", diz Pedro, pai de três filhos: Luan, 9, Alan, 8, e Vanessa, 6. A mãe recebe R$ 112 do Bolsa Família para mantê-los na escola. Agora, passará a ganhar R$ 121.
Os valores são idênticos para a família quase vizinha, de Sueli. Ao contrário dos três últimos anos, Sueli agora tem de trabalhar recolhendo garrafas PET em um lixão (ganha R$ 0,80 por saco) para pôr comida na mesa.

Preços "com a foice"
O valor médio dos benefícios do Bolsa Família hoje em Pernambuco (R$ 80,38) é suficiente para comprar apenas 45% de uma cesta básica de 13 itens (de R$ 174,77, segundo o Dieese -Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Mesmo com o novo reajuste de 8%, o poder de compra dos beneficiados ainda será inferior ao do ano passado, quando o benefício médio equivalia a 53% de uma cesta básica. Em termos nacionais, a situação é a mesma, com valores e percentuais distintos.
"Os preços estão "com a foice", R$ 100,00 não compram mais nada", afirma Sueli, coletando as garrafas sob o sol do meio-dia e contrariando recomendação do posto de saúde local, que a diagnosticou portadora de hanseníase.
De janeiro a junho, os alimentos no país subiram 8,6%. Em junho, a alta veio mais forte e generalizada: 17% no arroz, 16,7% na batata, 5% no macarrão e 3,4% no pão.
O resultado é que, de abril a maio, a inflação já provocou queda de 1% no rendimento dos ocupados nas seis principais regiões metropolitanas do país. O recuo em Recife foi o maior: quase 6%.
No Suvaco da Cobra, há centenas de famílias em que o benefício do Bolsa Família é o esteio da barriga. E elas não param de aumentar.
Segundo Marcelo Lopes, coordenador do Bolsa Família em Jaboatão, há atualmente 78 mil famílias cadastradas na cidade. No ano passado, eram 44 mil. Em 2006, 33 mil.
Embora muitas venham recebendo a ajuda estatal há anos, elas têm uma dificuldade enorme em colocar-se de pé sozinhas. A família de Sueli é um exemplo acabado disso.
Na primeira visita da Folha ao Suvaco da Cobra, em 2005, Sueli, então com 33 anos, acabara de dar à luz ao seu oitavo filho, Raí, hoje com três anos. No total, dez pessoas viviam sob o mesmo teto miserável.
Na época, ela era "a rica do pedaço". Além do Bolsa Família, ela recebia verbas federais para que as filhas adolescentes participassem de cursos profissionalizantes. Ganhava R$ 290 ao mês.
Passados três anos, a família terá 14 pessoas. Três das filhas que fizeram os cursos do Agente Jovem estão sem trabalho e fora da escola. Também em comum as três são mães adolescentes -assim como a mãe, Sueli, há 19 anos. E como a avó de 52 anos, Marinalva, há 36 anos.
Entre essas três moças (Késsia, 19, Kássia, 19, e Priscila, 16), a situação da sorridente Kássia é a pior.
Ela fez um curso de cabeleireira pelo qual sua mãe recebeu ajuda estatal. Ao terminar, não arrumou emprego e teve dois filhos. O caçula tem dois meses e jamais conhecerá o pai. Ele morreu afogado em fevereiro quando nadava na direção da Ilha do Amor para jogar bola com amigos.
"Meu sonho é montar um salão de beleza e empregar minhas irmãs", diz Kássia.

Horizonte novo
Já na família de Sueli, o investimento é nos três filhos. Ela pessoalmente dá banho, alimenta e caminha com eles até a escola Novo Horizonte.
Em duas visitas anteriores, Luan e Alan, hoje na 3ª e 4ª séries do ensino fundamental, respectivamente, escreviam muito mal e não conseguiam ler "Fernando" em um cartão. Embora a caligrafia não tenha evoluído muito, os dois lêem muito melhor hoje.
Segundo Marileide Barros, vice-diretora da escola Novo Horizonte (350 alunos, dois turnos e seis salas), o maior problema é na 1ª série, quando cerca de 40% das crianças acabam sendo reprovadas.
"A 1ª série é o bicho. Muitos vêm com sérios problemas do lar e não têm nenhuma familiarização com o ensino. Por falta de estrutura, não temos condições de dar aulas de reforço, que só ocorrem a partir da 2ª série", afirma.


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