São Paulo, sábado, 29 de julho de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Brasil melhor do que parece

O Brasil é mais competitivo do que parece quando comparado às estrelas do momento, China e Índia

O BRASIL anda na zona de rebaixamento quando se classificam os países pelo critério de facilidade de realização de negócios. É o que indica a pesquisa do Banco Mundial na qual o país aparece na 119ª posição em uma amostra de 155 países.
Tais números revelam o descaso com políticas estruturais no país. É bem verdade que uma projeção do investimento de longo prazo exclusivamente por tais critérios seria excessivamente pessimista. As próprias estatísticas do Banco Mundial mereceriam revisão que levasse em consideração todas as regiões, conforme sugerido por estudo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Mas é possível ir mais longe. O Brasil é mais competitivo do que parece quando comparado às estrelas do momento, China e Índia. Há sete fatores decisivos para o desenvolvimento nas próximas décadas que nem sempre são levados em conta, mas que importam para quem deseja investir no país no longo prazo.
Em primeiro lugar, a consolidação de um regime democrático nas últimas duas décadas é um ativo importante. A democracia pode tornar o processo decisório mais complexo em certos momentos, mas sua existência constitui mecanismo de estabilidade no longo prazo. O sistema brasileiro gera menos problemas do que a tensão e a incerteza quanto ao futuro de uma ditadura da burocracia partidária na China. Em segundo lugar, e em parte devido ao próprio regime democrático, a sociedade civil brasileira é ativa. A rápida adaptação ao apagão de 2001, a resistência heróica à escalada da criminalidade urbana e rural, a oposição ao aumento abusivo da carga tributária pelo Estado e a disseminação do voluntariado são alguns dos exemplos nesse sentido.
Em terceiro lugar, o empreendedorismo é particularmente forte em todas as camadas sociais. Segundo estudo da London Business School e do Babson College, o Brasil está em quinto lugar na lista de países com maior percentual de empreendedores estabelecidos na população. E em sétimo lugar quando são considerados os chamados empreendedores iniciais, isto é, aqueles que têm até 42 meses de existência. Chama a atenção o fato de a cultura empreendedora estar disseminada em todas as regiões e camadas sociais. Não há "ilhas de capitalismo", como na China e na Índia.
Em quarto lugar, o país oferece notável homogeneidade cultural.
Abstraídos certos regionalismos, o português é falado no país inteiro e não há dialetos. Na China, além do mandarim como língua oficial, há nada menos do que 53 idiomas nacionais e mais de cem dialetos! Na Índia, há 16 línguas oficiais e 844 dialetos!
Em quinto lugar, o Brasil possui posição privilegiada em dotação de insumos energéticos e recursos naturais, além de tecnologias relativamente amigáveis do ponto de vista ambiental, como no caso do álcool.
Não é pouco em um planeta cuja matriz energética é motivo de tanta tensão. Acrescente-se a isso a proximidade geográfica e a conveniência de fuso horário para acesso aos maiores mercados do mundo.
Em sexto lugar, e apesar das inúmeras lacunas, comparativamente à Índia e à China, o Brasil vem desenvolvendo conjunto de regras mais adequadas ao investimento.
Embora longe do ideal, comparativamente àqueles países, o Brasil tem legislações de concorrência e regulação dos mercados, propriedade intelectual, falências e investimento direto mais adequadas a uma moderna economia de mercado. Isso é verdadeiro mesmo com o retrocesso ocorrido nos últimos quatro anos em razão da situação de penúria e de marginalização a que têm sido submetidas as agências reguladoras.
Em sétimo lugar, o difícil processo de migrações internas em massa que acompanha a industrialização já ocorreu no Brasil, com todas as tensões sociais daí decorrentes. O Brasil é hoje uma sociedade urbana, com apenas 16% da população no campo.
Esse percentual é de 71% e 60% na Índia e na China, respectivamente. Os fatores mencionados acima não são fruto de políticas governamentais. Alguns deles ocorrem apesar do governo. São atributos e ativos nacionais que podem, se bem aproveitados, servir de base para o desenvolvimento do país nas próximas décadas.


GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br @ - gesner@fgvsp.br


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