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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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LUÍS NASSIF

O mapa da burocracia

Vamos entender um pouco mais a novela do PPP (Perfil Profissiográfico Profissional, documento exigido pelo INSS, como uma espécie de histórico de saúde de cada trabalhador), por meio da visão de um engenheiro de segurança do trabalho, Antonio Aurélio do Amaral. O engenheiro é crítico da "segurança de papel" -os escritórios que, em vez de ajudar na segurança do trabalho, se limitam a viver da burocracia. E acha que cabe ao Estado fiscalizar e punir quem tem atividade insalubre, e às empresas, recorrer livremente à consultoria profissional para melhorar suas condições ambientais.
PPRA e PCMSO não são laudos, mas programas de ações preventivas (PPRA) ou de controle médico (PCMSO), explica ele. Ambos já existem há quase dez anos e, no caso da maioria das empresas, sua elaboração e sua execução são muito simples.
Com o PCMSO ocorre o contrário: somente um médico pode elaborar esse programa e cumpri-lo. Seu cumprimento acaba se resumindo, na maioria dos casos, à execução de exames médicos periódicos. "Os funcionários que admitimos acham engraçado a forma como acontece o tal "exame", que consiste em responder a algumas perguntas, do tipo "tem algum problema de saúde?", ou ainda se o funcionário "toma algum tipo de medicamento" e coisas do tipo", narra o leitor Ricardo Mourtada, dono de um restaurante em Campinas.
O PPRA visa prevenir insalubridade. Já o PCMSO detecta até problemas de ergonomia que atingem trabalhadores de escritório. Em cima desses dois programas -legítimos em si, diz Amaral-, a burocracia inútil montou sua indústria.
Estabelecimentos simples como um condomínio residencial, em que um PPRA detalhista e cuidadoso se resumiria a três ou quatro páginas (já incluídas as descrições do local e as transcrições de dispositivos legais), têm seu PPRA "recheado" com assuntos que não lhe são pertinentes, tais como prevenção de acidentes, prevenção de incêndio, ergonomia, instalações elétricas, legislação municipal e farta transcrição de leis e normas, conta Amaral. Uma verdadeira salada mal escrita com volume de uma "lista telefônica", diz.
Nas últimas semanas, o leitor Airton Cerqueira Leite, síndico do condomínio dos edifícios Coral e Anaconda, no Butantã, em São Paulo, recebeu dezenas de malas-diretas de escritórios especializados em saúde do trabalho, querendo "vender" o produto PPP. Em todas as malas-diretas, letras garrafais salientando que o não-cumprimento da norma sujeitaria o condomínio a multas pesadas.
No caso de indústrias que trabalham com matérias-primas que realmente requerem cuidados de segurança, Amaral diz ter analisado PPRAs volumosos que nem sequer citavam o principal agente ambiental. "É a deturpação de um instrumento capaz de reduzir magnificamente a multidão de encostados no INSS devido a doenças profissionais e capaz de "zerar" as aposentadorias especiais, tão onerosas para o Brasil", diz.
Continuo nos próximos dias. Mas solicito aos leitores que comecemos a mapear essa praga da burocracia, que me enviem e-mails com relatos de casos de burocracia inúteis a que são submetidos em sua vida profissional e pessoal.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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