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LUÍS NASSIF
Vendedores de elixir
Como se narrou em outras colunas, no início do
Plano Real havia um enorme
volume de capital que saiu
ilegalmente do país nos períodos anteriores. O grande negócio da época seria encontrar formas de reciclar esse dinheiro, trazendo-o como se
fosse capital externo e aplicando nas taxas de juros internas. Leitores escrevem pedindo mais explicações sobre
como a teoria econômica foi
utilizada para permitir o
aparecimento dessa indústria
dos fundos agressivos.
Para um país acumular
poupança, precisa cortar o
consumo. Para que haja poupança sem redução do consumo, apela-se ao capital externo. Diz a teoria que, para
abrir espaço a esse capital externo, o país é obrigado a
criar um déficit nas transações correntes (fluxo de dólares com o exterior). Isso porque o excesso de dólares provoca uma apreciação no câmbio, dificultando as exportações. O que os pais do Real diziam é que o déficit era fundamental para atrair a poupança externa, que supriria a
interna e permitiria financiar
o desenvolvimento.
Em um trabalho de 1999, o
insuspeito (porque ortodoxo,
professor da PUC-RJ e competente) economista Dionísio
Carneiro já constatava que,
na maioria absoluta dos países analisados, o investimento externo (mesmo quando
investimento real) provoca o
chamado "efeito-substituição". A um financiamento
em dólar que uma empresa
consegue corresponde uma
redução equivalente da oferta
de crédito em moeda local.
Com a valorização cambial
do Real, o escancaramento às
exportações e o equilíbrio externo destruído, o Banco Central tinha dois caminhos. Se
corrigisse o câmbio, o capital
externo não seria mais essencial, e os juros poderiam cair.
Se não corrigisse, haveria a
necessidade de juros cada vez
mais elevados, para atrair dólares especulativos que fechassem a conta.
Não se corrigiu, por receio
da reação do "mercado"
-que, àquela altura, promovia o terrorismo cotidiano de
volta da inflação ou de fuga
cambial, a qualquer sinal de
mudança de câmbio- e porque a maior parte dos teóricos
desse modelo era associada
ou mais tarde se associou aos
grupos que ganhavam com
essa arbitragem de juros.
Até 1999, a grande empresa
(nacional ou multinacional)
era beneficiária secundária
desse modelo, porque tinha
acesso ao capital barato dos
dólares. Só em janeiro de
1999, quando o câmbio explodiu, deram-se conta de que de
nada adiantava ganhar na
tesouraria se o modelo liquidava com seu negócio principal, ao comprometer o crescimento do país. Se o país vai
mal, o capital especulativo
ganha (porque, quanto pior a
situação, mais altos os juros),
mas empresas perdem.
Ainda vai levar algum tempo, mas é inexorável que os
clichês sejam desmistificados
e a opinião pública -principalmente a grande mídia,
que perdeu com esse modelo- perceba que os grandes
gurus financeiros da década
nada tinham de contemporâneos: eram tão velhos e manhosos quanto os vendedores
de elixir do Velho Oeste.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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