São Paulo, terça, 29 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
80, 100, 240 milhões de toneladas

BENJAMIN STEINBRUCH
² Em abril deste ano, os ministros Francisco Turra (Agricultura) e Eliseu Padilha (Transportes) levaram ao presidente Fernando Henrique um estudo conjunto visando viabilizar a produção anual de até 340 milhões de toneladas de grãos e de carne. O detalhamento do projeto não foi divulgado, mas a imprensa registrou partes de um programa que visa, em prazo não divulgado, passar de 80 para 240 milhões de toneladas a produção brasileira de grãos e elevar a 100 milhões de toneladas a produção nacional de carnes.
Os objetivos, bastante ambiciosos, estão amparados em um conjunto de estímulos aos produtores que inclui investimentos em infra-estrutura, ampliação de financiamentos, aumento da capacidade de armazenamento e frigorificação e melhorias nos sistemas de transporte, especialmente no que toca a hidrovias e ferrovias.
O projeto dá prioridade especial às chamadas "fronteiras agrícolas" de Estados como Tocantins, Mato Grosso, Amazonas, Pará e Maranhão, que já dispõem de boas condições de produção, mas enfrentam gargalos hoje intransponíveis no que diz respeito ao transporte das safras no rumo dos grandes pólos de consumo doméstico e dos pontos de embarque para os mercados externos.
Os dois ministros (que serão reempossados em 1º de janeiro) evitaram declarações bombásticas, ao mesmo tempo em que insistiram na viabilidade dos planos, que não só atenderiam à quase totalidade do consumo interno do Brasil como gerariam excedentes competitivos -em preço e qualidade- para ampliar a participação agrícola no programa nacional de exportações.
Mas é duro ver que, antes mesmo de se conhecer detalhes e prazos para a triplicação da safra brasileiro de grãos, o país continue patinando nos números do seu agronegócio e até mesmo a meta de 100 milhões de grãos, oficialmente prevista para o ano 2001, esteja sendo posta em dúvida por motivos cada vez mais difíceis de contestar.
A verdade é que o ministro da Agricultura, por meio da Conab, na semana passada, oficializou suas previsões para a safra 98/99, anunciando números superiores a 83 milhões de toneladas de grãos, que, se materializados, representarão o maior volume de colheita jamais registrado no país e traduzirão 7,8% de crescimento sobre a safra anterior de 97/98. As previsões foram respaldadas, dias depois, por uma consulta que o Banco do Brasil realizou nacionalmente com mais de 300 agrônomos e que chegou aos mesmos números da Conab.
O tema do nosso potencial agrícola e da necessidade de desenvolvermos o agronegócio em nosso país não é novo para os leitores de meus artigos. Já registrei que tem havido avanços na produtividade de alguns segmentos da nossa agricultura e da nossa pecuária, mas o volume geral produzido cresce bem abaixo de nossas potencialidades. Ao mesmo tempo, contemplamos grandes arrancadas de países que não dispõem de terra nem de condições climáticas tão favoráveis quanto as que temos no país. É o caso, por exemplo, da Argentina.
Vamos torcer para se viabilizarem as previsões de 83 milhões de toneladas para o período 98/99, mas não podemos nos esquecer que os vaticínios para a presente safra não se confirmaram e os resultados foram bem menores que os esperados.
Mas a hora é de avançar. A produção agrícola do país, somada às atividades industriais e de serviços ligadas ao chamado agronegócio, já supera R$ 300 bilhões, o que corresponde a um terço do nosso PNB (Produto Nacional Bruto) e quase um terço do valor das nossas exportações, ocupando idêntico percentual da nossa força de trabalho, como detalhei em artigo publicado em setembro.
Já estão em andamento ações na área do crédito agrícola, da infra-estrutura, da armazenagem, do treinamento de mão-de- obra, do aprimoramento da qualidade das sementes e das matrizes. O governo, inclusive, tem acolhido, com realismo e humildade as sugestões que partem do setor agrícola, lastreadas nas experiências dos que viabilizam a produção e não apenas baseadas nas hipóteses irrealistas que tantas vezes marcam os caminhos apontados por burocratas e "agricultores de gabinete".
Também já se alargou a consciência de que precisamos lutar lá fora para impedir que continuem se ampliando as ações protecionistas dos países desenvolvidos que defendem publicamente a abertura de mercados (inclusive o nosso) e, de outro lado, se agarram a barreiras que, na prática, fecham ou estreitam as portas para nossas exportações.
Há também que expandir os esforços destinados a estimular os pequenos e médios produtores -especialmente as unidades familiares-, de forma a que possam elevar a qualidade e a rentabilidade do que produzem, ajudando a fixar as suas famílias na terra, incorporando seus membros à classe média e ao mercado de consumo e colocando um freio na redução do número de empregos agrícolas que, infelizmente, foram encolhidos em pelo menos 5 milhões de ocupações nos últimos dez anos.
Os produtores brasileiros têm se mostrado capazes de, rapidamente, adotar novas tecnologias nas suas lavouras e nas suas criações. Eles também têm sido velozes na abertura de novas fronteiras como, por exemplo, a de produção de frutas, que no ano passado incorporou, só no Nordeste, 60 mil hectares à área destinada à fruticultura, gerando, só aí, mais 120 mil empregos.
Está na hora de agir. O novo mandato presidencial se inaugura nesta semana com novos ministérios, novos secretários de Estado e alguns nomes novos que ajudarão o presidente na sua luta para que se completem as reformas essenciais, se votem as medidas previstas no ajuste fiscal e se dê nitidez às providências destinadas a estimular a produção e promover a volta do desenvolvimento.
É a hora de chamar a atenção do nosso mundo político e de toda a opinião pública para o enorme potencial representado pelo agronegócio em nosso país. Uma atividade que, a par de gerar riquezas materiais, traduz os seus avanços em conquistas sociais que o Brasil não pode mais continuar adiando.
²


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional, da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br



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